‘João correu, e muito’: por que não dispensar o ‘e’?
“Gostaria do parecer do blogueiro sobre a nova – e irritante – mania de empregar o advérbio ‘muito’ precedido da conjunção ‘e’ (‘e muito’). Ex: em vez de ‘João correu muito’, ‘João correu, e muito’. Por que agora todos dão ênfase ao advérbio ‘muito’ desse modo? Já não suporto essa mania. Desde já, agradeço.” (Antônio […]
“Gostaria do parecer do blogueiro sobre a nova – e irritante – mania de empregar o advérbio ‘muito’ precedido da conjunção ‘e’ (‘e muito’). Ex: em vez de ‘João correu muito’, ‘João correu, e muito’. Por que agora todos dão ênfase ao advérbio ‘muito’ desse modo? Já não suporto essa mania. Desde já, agradeço.” (Antônio Araújo)
O recurso estilístico a que Antônio se refere – e que o deixa irritado, direito que ninguém lhe pode tirar – nada tem de novo. Veja-se o que dizia o personagem Rubião a Sofia em “Quincas Borba”, romance escrito por Machado de Assis na penúltima década do século XIX:
– Não se zangue; não desejo ofendê-la; mas, deixe-me dizer que a senhora é que me tem enganado, e muito, e sem compaixão. (O grifo é meu.)
Rubião poderia ter dispensado as conjunções para dizer que Sofia o tinha “enganado muito, sem compaixão”? É claro que sim. Mas a mensagem neste caso seria sutilmente diferente.
Quando se põe entre o verbo e o advérbio a cunha da conjunção “e”, produz-se um efeito de reiteração que dramatiza a mensagem: a cada “e”, é quase como se o verbo se repetisse. Como se Rubião dissesse: “… a senhora é que me tem enganado, e tem enganado muito, e tem enganado sem compaixão”.
Não faria sentido condenar um recurso que expande as possibilidades expressivas da língua, é claro. O máximo que pode estar ocorrendo é um surto de abuso ou banalização de tal recurso – não digo que seja o caso, pois isso nunca me chamou a atenção, mas é o que poderia justificar a implicância de Antônio. Vale ficar de olho.
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