Grande crítico x escritor ‘enganador’ = opinião baratinha
Às vezes a internet nos dá a impressão de que nunca se discutiu tanto, mas eis algo que ninguém discute: ter opinião é bom, saber expressá-la é ótimo e saber expressá-la com eloquência, então, uma maravilha. Só não me esqueço de que o sergipano Sílvio Romero (foto), que tinha e sabia tudo isso, mesmo assim […]

Às vezes a internet nos dá a impressão de que nunca se discutiu tanto, mas eis algo que ninguém discute: ter opinião é bom, saber expressá-la é ótimo e saber expressá-la com eloquência, então, uma maravilha. Só não me esqueço de que o sergipano Sílvio Romero (foto), que tinha e sabia tudo isso, mesmo assim quase atirou no lixo sua reputação como um dos maiores críticos literários brasileiros de todos os tempos quando, em 1885, escreveu o seguinte sobre um certo escritor carioca em meio de carreira:
O Sr. Machado de Assis passa atualmente pelo mestre incomparável do romance nacional. (…) Mas é preciso romper o enfado que me causa este romântico em desmantelo, despi-lo à luz meridiana da crítica. Esse pequeno representante do pensamento retórico e velho no Brasil é hoje o mais pernicioso enganador, que vai pervertendo a mocidade. Essa sereia matreira deve ser abandonada.
Em 1885, Machado já tinha publicado o livro de contos “Papéis avulsos”, entre os quais estava a obra-prima O alienista, e também “Memórias póstumas de Brás Cubas”, o inclassificável romance – um dos maiores de nossa literatura – que marcou o salto espantoso entre o romantismo convencional de sua fase jovem e a genialidade da fase madura. Sílvio Romero não concordava com nada disso:
O Sr. Machado simboliza hoje o nosso romantismo velho, caquético, opilado, sem ideias, sem vistas, lantejoulado de pequeninas frases, ensebadas fitas para efeito. Ele não tem um romance, não tem um volume de poesias que fizesse época, que assinalasse uma tendência. É um tipo morto antes do tempo na orientação nacional.
Será que motivações pessoais cegavam o grande crítico para a grandeza óbvia do escritor? Bom, Machado tinha, alguns anos antes, falado mal de um livro de poesia assinado por Romero, o tipo de coisa que marca. Também é verdade que o sergipano era fã de seu conterrâneo Tobias Barreto (que tal ir ao Google?), que tentava em vão elevar aos píncaros da glória nacional, e Machado parecia ser uma pedra nesse caminho.
Não importa. Seja qual for o motivo, o fato indiscutível – e embaraçoso – é que no momento em que foram mais convictas, mais chocantes, mais eloquentes, mais flamejantes, as opiniões de um homem de grande inteligência e cultura foram também profundamente estúpidas. Convém nunca esquecer.