‘Fulano não se encontra’, isso está certo?
Cartaz do filme ‘O homem que não se encontrava’, ou melhor, ‘que não estava lá’ “Caro Sérgio, sinto-me lisonjeado em escrever-lhe. Tenho uma dúvida: é que me é comum atender o telefone no escritório onde trabalho, e se eventualmente perguntam se alguma pessoa está ou não no local, respondo que ‘ela não se encontra no […]

“Caro Sérgio, sinto-me lisonjeado em escrever-lhe. Tenho uma dúvida: é que me é comum atender o telefone no escritório onde trabalho, e se eventualmente perguntam se alguma pessoa está ou não no local, respondo que ‘ela não se encontra no momento’. Muitos falaram que essa colocação é errada, pois uma pessoa ‘não se procura para se achar’ (sic). Pergunto: quem está certo? Já tivemos acaloradas discussões sobre tal frase e não chegamos em um consenso. Abraços.” (Paulo Sillig)
Não está errada do ponto de vista gramatical a fórmula que Paulo usa para dizer que alguém não está no escritório. Se ela merece algum reparo – e talvez seja essa a razão da implicância dos colegas –, este se deve ao que poderíamos chamar de estilo.
Vamos devagar.
O verbo “encontrar-se”, pronominal, tem a acepção tradicional de “estar em determinado lugar, condição, situação ou estado” (Houaiss). “Fulano não se encontra (aqui)” quer dizer simplesmente “Fulano não está (aqui)”.
Vislumbra-se na origem dessa acepção a influência de uma voz passiva sintética que, analiticamente, poderia ser parafraseada como “Fulano não é (não pode ser) encontrado”.
É gramaticalmente ingênua, portanto, a observação de que uma pessoa “não se procura para se achar”. Ela não se procura, mas é procurada. Diante dos cartazes policiais de “Procura-se”, ninguém supõe que os criminosos estejam em busca de si mesmos, certo?
Dito isso, é inegável que “encontrar-se” pode ser uma forma desnecessariamente rebuscada, até mesmo bacharelesca, de dizer “estar”. Há quem considere elegante tal rebuscamento, impressão que deve estar na origem do sucesso que “encontrar-se” encontrou, sobretudo na linguagem telefônica, entre tantas gerações de secretárias.
Há também quem implique com automatismos vocabulares desse tipo e considere mais elegante o que é simples e direto: “Fulano não está”. Vista por esse ângulo – não como sabichonice gramatical, mas como forma de combater um modismo cansado –, a piadinha dos colegas de Paulo faz algum sentido.
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