‘Fulano é um dos bons quadros da empresa.’ Isso está certo?
“Vejo com frequência na revista VEJA o uso da palavra ‘quadro’ significando um elemento particular de um conjunto de pessoas com determinada situação ou função. Exemplo (fictício): ‘Fulano é um dos melhores quadros da empresa’. Segundo o dicionário Novo Aurélio Século XXI (edição de 1999), entre 24 significados da palavra ‘quadro’ há três relacionados a […]
“Vejo com frequência na revista VEJA o uso da palavra ‘quadro’ significando um elemento particular de um conjunto de pessoas com determinada situação ou função. Exemplo (fictício): ‘Fulano é um dos melhores quadros da empresa’. Segundo o dicionário Novo Aurélio Século XXI (edição de 1999), entre 24 significados da palavra ‘quadro’ há três relacionados a conjuntos (de empregados, de associados, de carreiras etc.) e um, o de número 24, que é empregado em países africanos de língua portuguesa, relacionado a indivíduo (‘empregado que exerce uma função de direção numa empresa…’). Qual é sua opinião quanto ao uso encontrado na VEJA?” (Mário Eduardo Monteiro de Barros)
O uso da palavra quadro com o sentido a que se refere o leitor, de funcionário qualificado, está além da consagração no português brasileiro. Se Mário Eduardo tivesse consultado o Houaiss, um dicionário mais preciso e abrangente, saberia que a acepção que no Aurélio aparece estranhamente como africanismo está lá, sem ressalva alguma de procedência, exatamente como consta no vocabulário vivo do português brasileiro desde um tempo que minha memória de falante nem consegue alcançar: “alto funcionário, técnico categorizado ou em nível de direção numa empresa; dirigente, administrador, gerente”.
O processo de sentidos figurados em cadeia que fez “quadro” – do latim quadrum, “quadrado” – ganhar tal significado é ao mesmo tempo curioso e um dos mais banais no desenvolvimento semântico das línguas: metonímia sobre metonímia. Começamos com o quadro que é um painel ou quadrado literal, onde se lista um conjunto de nomes, mais especificamente os dos funcionários mais importantes de uma empresa ou instituição; passamos, talvez com um empurrãozinho do francês cadre, por esse próprio conjunto; e terminamos com cada um dos integrantes desse conjunto. O Aurélio, africanismo à parte, parou no segundo passo. O Houaiss chegou ao terceiro.
É possível, para arriscar uma hipótese, que o modo habitual de representar o organograma de uma estrutura administrativa, com cada nome dentro de sua própria moldura retangular, tenha influenciado na individualização da palavra quadro. Possível, mas não necessário. A metonímia – como a metáfora – tem força suficiente para prescindir disso. Basta pensar numa palavra como polícia, que de conjunto passou a designar também o indivíduo a ele pertencente.
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