Felipão e Felipinho
Felipão em foto de Sergio Moraes/Reuters A cultura brasileira adora diminutivos e aumentativos. Ambos apresentam dificuldades de pronúncia para estrangeiros que estão aprendendo português e indicam familiaridade, mas com uma distinção importante. Em geral – e ressalvadas todas as dez mil nuances irônicas possíveis – o diminutivo puxa a palavra por ele afetada para um […]

A cultura brasileira adora diminutivos e aumentativos. Ambos apresentam dificuldades de pronúncia para estrangeiros que estão aprendendo português e indicam familiaridade, mas com uma distinção importante. Em geral – e ressalvadas todas as dez mil nuances irônicas possíveis – o diminutivo puxa a palavra por ele afetada para um lado que se poderia chamar de feminino, sugerindo uma certa delicadeza, enquanto o aumentativo nem tenta disfarçar o charme machista com suas conotações de poder e potência. Isso é bem óbvio. Quando levamos a ideia para o campo de futebol é que a trama se complica.
Felipão, técnico campeão do mundo em 2002 que reassumiu o comando da seleção brasileira, é um aumentativo clássico num mundo em que tais valores aparecem, se não invertidos, pelo menos bastante relativizados. Jogador que tem nome no aumentativo raramente é o melhor. Um zagueiro viril ou um volante botinudo pode se chamar, por exemplo, Ronaldão. É visto como útil pela torcida e pode até se tornar querido, mas é grosso. O carinho e o respeito traduzidos pelo ão têm nesse caso um traço indisfarçável de ironia.
O craque nunca se chama Ronaldão, mas pode se chamar Ronaldinho. Recuando um pouco na história, vemos que foi esse o caso, entre muitos outros, de Zizinho, Quarentinha, Juninhos (Paulista, Pernambucano etc.). E se incluirmos no raciocínio diminutivos menos óbvios, mas ainda diminutivos, veremos que foi o caso também de Didi, Garrincha, Zico e até Tostão – um ão anômalo, craque aumentativo cujo nome era na verdade um diminutivo monetário. No campo, o fino fala mais alto que o grosso.
Às vésperas da Copa de 2002, eu estava pessimista. Baseado nessas intuições linguísticas – e nas ideias de futebol que Felipão defendia e aplicava desde seus tempos de jogador – tinha certeza de que veríamos um desastre canarinho (olha o diminutivo de novo) sob o comando de um cultor da grossura. Como se sabe, quebrei a cara – ainda bem. O time de Felipão não foi só competitivo, mas jogou o futebol mais bonito mostrado por uma seleção brasileira em muito tempo. Quem sabe o cheiro de mofo dessa guinada da CBF rumo ao passado não terá o mérito de trazer de volta aquele surpreendente Felipinho?