‘Eu já assisti O jogo. Hoje assisto AO jogo. O que mudou?’
“Antigamente (não muito antigamente) eu ia ao cinema para assistir ‘o’ filme. Ia ao campo de futebol para assistir ‘o’ jogo. Ligava a TV para assistir ‘o’ jornal. Agora eu vou ao cinema para assistir ‘ao’ filme. Vou ao campo de futebol para assistir ‘ao’ jogo. Ligo a TV para assistir ‘ao’ jornal. E quando […]
“Antigamente (não muito antigamente) eu ia ao cinema para assistir ‘o’ filme. Ia ao campo de futebol para assistir ‘o’ jogo. Ligava a TV para assistir ‘o’ jornal. Agora eu vou ao cinema para assistir ‘ao’ filme. Vou ao campo de futebol para assistir ‘ao’ jogo. Ligo a TV para assistir ‘ao’ jornal. E quando eu for ao campo para ver ‘o’ jogo, eu tenho que ver ‘ao’ jogo também? Por quê? Alguém pode me explicar isso? Com toda admiração e respeito pelos professores.” (Sebastião Albano)
É muito curiosa a observação de Sebastião. Ele supõe ter havido uma mudança na regência do verbo “assistir”, que “antigamente (não muito antigamente)” teria sido transitivo direto. A história não é essa. O que mudou foi seu modo de ver a questão.
Quando tem o sentido de “ver, acompanhar com atenção, testemunhar”, o verbo “assistir” continua sendo aquilo que antigamente (muito antigamente) já era no português-padrão: transitivo indireto. Ou seja, assistimos ao jogo, ao filme, ao telejornal.
Ocorre que, no português brasileiro, faz tempo que é muito mais comum encontrar – inclusive entre falantes cultos, sobretudo em situações informais, e também na língua literária que busca maior aproximação com a fala do povo – o mesmo “assistir” tratado como transitivo direto: “Vamos assistir o jogo lá em casa?”.
É essa flutuação de regência que confundiu Sebastião. Houve um tempo em que ele adotava o uso popular (“assistir” como transitivo direto) sem preocupação. Quando passaram a corrigi-lo, com base na regência que a gramática normativa afirma ser a única aceitável, achou equivocadamente que haviam mexido na regra.
A regra para o emprego do verbo “assistir” não mudou – como não mudou a de “ver”, que, é claro, permanece transitivo direto. Como em tantos outros casos, o que se vê em “assistir” é uma tensão entre o português considerado ideal e aquele que a maioria dos falantes de fato usa – um processo interminável em que a tendência histórica é a da (lenta) flexibilização de certas regras obsoletas.
Em futuro não muito distante, é provável que seja considerado facultativo, até mesmo em textos formais, escrever “assistir ao jogo” ou “assistir o jogo”. Por enquanto, deve-se usar a primeira forma.
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