Está certo chamar o IPHAN de ‘Ifan’?
“Caro Sérgio, sempre que vejo reportagens sobre institutos históricos, que são responsáveis pelos patrimônios de seus locais como IPHAEP (que é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Paraíba, meu estado) ou IPHAN, que é nacional, ouço e não concordo com as pronúncias ‘Ifaep’ e ‘Ifan’, em que se pronuncia o ‘ph’ como ‘f’. […]

“Caro Sérgio, sempre que vejo reportagens sobre institutos históricos, que são responsáveis pelos patrimônios de seus locais como IPHAEP (que é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Paraíba, meu estado) ou IPHAN, que é nacional, ouço e não concordo com as pronúncias ‘Ifaep’ e ‘Ifan’, em que se pronuncia o ‘ph’ como ‘f’. Isso está correto, devo me resignar e aceitar essa pronúncia?” (Antonio G. Enedino)
A boa questão trazida por Antonio é tão antiga quanto controversa, uma fonte de discórdia que provavelmente vai durar enquanto houver língua portuguesa – ou institutos do patrimônio histórico.
Normalmente, quando dirigida a professores de português, tal consulta tem como resposta uma condenação sumária da pronúncia “Ifan” – que não é dominante apenas nas “reportagens” citadas por Antonio, mas, segundo consta, entre os próprios profissionais do patrimônio histórico. Para a maioria dos consultores, o correto seria “Ipan”. É o que se vê, por exemplo, no veredito de um site como o português Ciberdúvidas da Língua Portuguesa: “O acrónimo IPHAN deve ler-se com a oclusiva surda [p], dado que o dígrafo ph não existe como tal na actual sincronia”. Professores brasileiros costumam ir na mesma direção.
Na minha opinião, os que condenam a pronúncia “Ifan” cometem dois erros. O primeiro é o de desprezar, como se fosse um dado irrelevante, a prosódia consagrada por gerações de falantes: você conhece alguém que chame o IPHAN de “Ipan”? O segundo é o de supor que a simples abolição do dígrafo ph na reforma ortográfica de 1911 em Portugal – e de 1931 no Brasil – baste para reger questões de pronúncia num ambiente infestado de marcas registradas de uso corrente como iPhone, Philips e Phebo e no qual ainda não é incomum, sobretudo em cidades do interior, encontrar uma drogaria do tempo de nossos avós que conserva o nome de “Pharmacia”.
O ph tem raízes tão fundas no português, na forma histórica de vocábulos como “phosphoro” e, curiosamente, “orthographia”, que o poeta Fernando Pessoa, entre outros intelectuais, pregou a desobediência civil à reforma de 1911. O fim do ph o enojava. Sua revolta não teve muitos seguidores, o que é natural, mas nos ajuda a compreender que o espírito de uma língua jamais caberá na moldura ortográfica do momento, mesmo porque nenhuma lei pode regular questões de pronúncia. Para isso, claro, é preciso ter respeito aos falantes, ouvidos desimpedidos de preconceitos – ou, no mínimo, uma boa dose de resignação, que é o que recomendo a Antonio.