Entre prescrição e descrição se estende a língua inteira
Encarregado de resenhar para a revista “The New Criterion” um clássico dicionário americano de usos do inglês, de autoria de H.W. Fowler, Barton Swaim produziu um artigo (em inglês, acesso gratuito) que toca em alguns nervos expostos do difícil trabalho de escrever sobre a língua, qualquer língua, nos dias de hoje. Nervos que estão expostos […]
Encarregado de resenhar para a revista “The New Criterion” um clássico dicionário americano de usos do inglês, de autoria de H.W. Fowler, Barton Swaim produziu um artigo (em inglês, acesso gratuito) que toca em alguns nervos expostos do difícil trabalho de escrever sobre a língua, qualquer língua, nos dias de hoje. Nervos que estão expostos também nesta coluna, portanto.
A questão pode ser toscamente resumida assim: o velho discurso “prescritivista” da gramática tradicional, que define de forma taxativa e muitas vezes arbitrária o que deve e o que não deve ser dito e escrito, foi academicamente superado há muitas décadas pelo ponto de vista “descritivo” da linguística moderna. Esta não está interessada em dizer a ninguém como usar a língua, algo que considera um odioso exercício de poder, mas apenas em descrever os modos como ela é usada na vida real. A primeira turma ergue muros entre certo e errado; a segunda dedica-se a demoli-los.
A linguística moderna fez maravilhas por nosso entendimento da língua, reconhece Swaim. O problema, argumenta ele, é que a abordagem descritiva, quando levada para um dicionário como o de Fowler, que ganhou fama por suas dicas ponderadas sobre o bom uso da língua, descaracteriza-o a ponto de deixá-lo praticamente sem utilidade para ninguém. E eu concordo.
Leitores habituais do Sobre Palavras sabem que noções estreitas e convencionais de certo e errado, que ainda são o esteio da maioria dos consultórios gramaticais que pululam na imprensa brasileira, não costumam ser bem acolhidas por aqui – não sem antes serem submetidas a algum escrutínio. No entanto, dizer simplesmente que nenhum uso é preferível a outro seria trair o leitor – o que explica a baixíssima capacidade de comunicação da linguística moderna com o público leigo.
“Na verdade”, diz Swaim, “o prescritivismo não é de modo algum um ‘ismo’. É um desenvolvimento inevitável de uma sociedade comercial civilizada. Uma sociedade como a nossa, em que altos níveis de mobilidade social e econômica coexistem com altos níveis de alfabetização, é uma sociedade em que as pessoas progridem por meio da linguagem, entre outras coisas. As pessoas conseguem empregos e promoções por sua capacidade de falar e escrever.”
Buscar o difícil equilíbrio entre os dois polos – aconselhamento sem autoritarismo, relativização sem vale-tudo – é, a meu ver, a principal tarefa de quem escreve sobre a língua para o grande público do século 21.