‘Ensino à distância’ ou ‘ensino a distância’?
“Prezado Sérgio, tenho visto a frase ‘ensino a distância’ sem crase. Isto me parece estranho, pois trata-se de uma expressão adverbial, como ‘monitoramento à distância’. Na verdade, já li das duas formas. Favor esclarecer minha dúvida.” (Fabio Drad de Souza) As duas formas dessa locução adverbial são usadas: a distância e à distância. No primeiro […]

“Prezado Sérgio, tenho visto a frase ‘ensino a distância’ sem crase. Isto me parece estranho, pois trata-se de uma expressão adverbial, como ‘monitoramento à distância’. Na verdade, já li das duas formas. Favor esclarecer minha dúvida.” (Fabio Drad de Souza)
As duas formas dessa locução adverbial são usadas: a distância e à distância. No primeiro caso, temos simplesmente a preposição a. No segundo, temos a mesma preposição a, mas ela leva um acento grave. Este pode ser indicativo de crase, isto é, de contração com o artigo definido a, ou apenas diferencial, empregado em nome da clareza.
O Houaiss observa que os autores clássicos da língua dão preferência à primeira forma quando a distância não é especificada (“viram algo movendo-se a distância”), e à segunda quando se trata de uma distância precisa: “o portão ficava à distância de quatro metros”.
Na mesma nota, porém, o melhor dicionário de nossa língua sugere usar acento também no primeiro caso, “quando a sua falta comprometer de algum modo a clareza da frase”. Dá o seguinte exemplo: “a sentinela vigia à distância”. Se a ideia a ser comunicada é a de que a sentinela se mantém distante daquilo que vigia, a ausência do acento poderia sugerir erroneamente que a distância é aquilo que ela vigia.
A meu ver, a eliminação desse tipo de ambiguidade fortuita é suficiente para recomendar o uso da locução adverbial “à distância” em todas as situações, seja a distância especificada ou não. Tal opção pela clareza parece ser a inclinação contemporânea.
Se não há ambiguidade na expressão “ensino a distância” quando ensino é claramente um substantivo, ela se instala quando falamos em “ensinar a distância”: ensinar de longe ou, poeticamente, ensinar o próprio distanciamento? Seria absurdo usar acento no segundo caso e não no primeiro, pois o método de ensino é o mesmo. “À distância” acaba com a confusão.
Há outras locuções adverbiais em que o acento é sempre recomendado como forma de evitar ambiguidade: “à mão” é o caso clássico. “Que mão?”, podem perguntar os que estranham o artigo definido embutido na crase. Ocorre que “lavar à mão” é uma coisa e “lavar a mão”, outra bem diferente.
O gramático Evanildo Bechara não vê nesse caso contração de preposição e artigo, mas “a pura preposição a que rege um substantivo feminino no singular, formando uma locução adverbial que, por motivo de clareza, vem assinalada com acento diferencial”. O mesmo raciocínio justifica o emprego do acento grave em locuções adverbiais como “à força”, “à míngua” e “à noite”.
É uma forma interessante de encarar a questão – suficiente, aliás, para abonar a preferência por “à distância”. Mas acredito haver outro enfoque possível, em que o artigo definido se faz presente e existe, sim, crase. A que mão nos referimos quando dizemos “à mão”? À mão genérica, ora. À mão como ideia, ao ideal platônico de mão. Pronto, eis o artigo.
Naturalmente, a ambiguidade e a necessidade de eliminá-la (com crase ou com acento diferencial) só ocorrem porque distância, mão, força, míngua e noite são substantivos femininos. Em expressões como “terminar a tarefa a jato” e “talhar a canivete”, o gênero masculino dos substantivos jato e canivete não permite confundir preposição com artigo, motivo pelo qual se dispensam medidas adicionais para esclarecer o sentido da mensagem. Usar o acento nesses casos (à jato, à canivete) é um erro crasso e infelizmente comum.
E já que falamos nisso: quando o artigo definido masculino se impõe, é óbvio que não existe crase, mas a contração ao: “Vimos relâmpagos ao longe”.
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