‘Em palpos de aranha’ ou ‘em papos de aranha’?
Um hobbit em palpos (ou papos) de aranha “Caro professor, a expressão correta é ‘papos de aranha’ ou ‘palpos de aranha’?” (Alaíde Souza) Continua após a publicidade As duas formas são aceitas, Alaíde. A expressão “estar em palpos (ou papos) de aranha” significa, como se sabe, “estar em situação difícil, premido pela urgência de encontrar […]

“Caro professor, a expressão correta é ‘papos de aranha’ ou ‘palpos de aranha’?” (Alaíde Souza)
As duas formas são aceitas, Alaíde. A expressão “estar em palpos (ou papos) de aranha” significa, como se sabe, “estar em situação difícil, premido pela urgência de encontrar uma saída” – antes, portanto, de virar comida de aranha.
Parece haver poucas dúvidas de que a locução original é “palpos de aranha”. Palpo é um termo do vocabulário zoológico, e portanto de uso restrito, que o Houaiss define assim: “1. apêndice segmentado das maxilas ou do lábio dos insetos; 2. cada um dos apêndices sensoriais do prostômio de poliquetas ou da cabeça de certos artrópodes”.
Entendeu? Pois é, a maioria dos falantes de português também não, e por isso a expressão “em palpos de aranha” – mais condizente com a ideia de alguém que corre o risco imediato de ser devorado – passou a circular também na versão popular “em papos de aranha”, que a rigor sugere um processo de deglutição já começado, um fato consumado que não combina muito bem com a carga semântica da expressão.
Seja como for, faz tempo que a forma “papos de aranha” se impôs, embora não tenha conseguido tomar por completo o lugar de “palpos de aranha”. Seria incorreto dizer que se trata da versão “errada” de uma expressão erudita. Melhor encará-la como uma variante consolidada pelo uso – inclusive o culto. O mesmo dicionário registra que autores canônicos como o português Camilo Castelo Branco e o brasileiro Aluísio Azevedo usaram “papos de aranha”.
O estudioso Luís da Câmara Cascudo foi um empolgado defensor de “papos da aranha”, chegando a se irritar com os que se batiam pela forma clássica. Em seu livro “Locuções tradicionais do Brasil”, acusou o filólogo Castro Lopes de ser livresco demais e não levar em conta as preferências dos falantes:
A investigação das frases tradicionais é feita nos livros e através de processos simpáticos ao pesquisador. (…) Jamais a curiosidade alcança a interpretação popular, como explicam a locução, transmitida pela memória coletiva nas gerações, entre analfabetos, conservadores do patrimônio anônimo e cultural. O Povo diz, inalteravelmente, ‘papos’, valendo estômago, barriga, saco digestivo. (…) O Povo tem sua História Natural, e, no domínio da Fisiologia, inútil é o ensino anatômico vigente.
Entendo a fúria de Câmara Cascudo: Castro Lopes era mesmo um esnobe. Mas ele exagera ao dizer que apenas “papos de aranha” encontrou abrigo na língua. As duas formas coexistem até hoje.
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