Dias de papa
O papa Francisco na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro (Ueslei Marcelino/Reuters) Às vezes parece haver no mundo mais semanas do que palavras. O texto abaixo, sobre a origem da palavra papa, já foi publicado aqui e retorna por motivos óbvios – fingir que a semana não pertenceu inteirinha ao papa Francisco seria incorrer no […]

Às vezes parece haver no mundo mais semanas do que palavras. O texto abaixo, sobre a origem da palavra papa, já foi publicado aqui e retorna por motivos óbvios – fingir que a semana não pertenceu inteirinha ao papa Francisco seria incorrer no pecado da miopia jornalística. Nem tudo é reprise, porém. No pé, acrescento considerações novas sobre outros sentidos que papa tem em português.
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É costumeiro ouvir que São Pedro foi o primeiro papa, mas a veracidade histórica dessa informação depende de uma licença poética.
Nos primeiros séculos da Igreja Católica, em que o bispo de Roma viu seu papel de liderança se acentuar aos poucos, ele ainda não tinha a autoridade de um papa – e muito menos o nome.
“Papa” é uma palavra documentada em português desde o século XIII e nos chegou do latim papa ou pappa. O latim, por sua vez, tinha ido buscar o vocábulo no grego páppas. Em sua língua de origem a palavra provinha da linguagem infantil e era uma forma carinhosa de chamar pais e avôs, posteriormente estendida como termo de respeito a tutores e autoridades religiosas.
Quando passou a ser usado no âmbito do catolicismo, no século III, papa era um termo de aplicação ampla e liberal, distribuído entre bispos e padres. Consta que o primeiro papa a ser chamado assim foi Libério (352-366).
No entanto, segundo o filólogo catalão Joan Corominas, foi apenas no século V que o título passou a ser reservado exclusivamente ao bispo de Roma, também chamado de Sumo Pontífice.
Esse estreitamento semântico ocorreu justamente na época em que se consolidava seu enorme poder. Palavra e coisa estavam em comunhão.
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Faltou falar da curiosa semelhança entre o papa e a papa, palavra informal que designa comida e, em especial, alimentos amolecidos, pastosos ou quase líquidos. Os dicionários os registram como vocábulos diferentes, o que de fato são, mas há entre eles mais do que uma coincidência de data – ambos estrearam em nosso idioma no século XIII.
Como o papa, a papa também é oriunda do latim papa ou pappa, que o dicionário Saraiva trata como verbete à parte, mas deixando uma pista para que se vislumbre uma origem comum. Se um é “palavra infantil com a qual as crianças pedem de comer”, o outro aparece definido em primeiro lugar (antes do surgimento das acepções de tutor e título honorífico religioso) como “o que dá alimento a alguém” – o provedor, pois é.
O latim pater (“pai”) fez outro caminho, vindo de uma ancestral palavra indo-europeia que deu ainda no inglês father e no alemão Vater, entre muitos outros vocábulos, mas presume-se que também nesse caso tudo pode ter começado com um simples “pa” balbuciado por bebês.