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Sobre Palavras

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Este blog tira dúvidas dos leitores sobre o português falado no Brasil. Atualizado de segunda a sexta, foge do ranço professoral e persegue o equilíbrio entre o tradicional e o novo.

Devemos dar ‘bom dia’ quando passa da meia-noite?

“Bom dia, Sérgio! Gostaria de saber o motivo de uma parcela crescente da população cumprimentar as outras pessoas com um sonoro ‘bom dia!’ quando a hora passa da meia-noite. A lua não está no céu ainda, logo não é noite ainda? Será que isso é por conta das mensagens gravadas nos serviços de telemarketing da […]

Por Sérgio Rodrigues
Atualizado em 31 jul 2020, 06h57 - Publicado em 31 jan 2013, 10h15

“Bom dia, Sérgio! Gostaria de saber o motivo de uma parcela crescente da população cumprimentar as outras pessoas com um sonoro ‘bom dia!’ quando a hora passa da meia-noite. A lua não está no céu ainda, logo não é noite ainda? Será que isso é por conta das mensagens gravadas nos serviços de telemarketing da vida?” (Ricardo Soares)

A divertida consulta de Ricardo me deixou aqui pensando que sou um sujeito de sorte. Nunca encontrei quem me cumprimentasse com um “bom dia” à meia-noite e meia. Acho que não seria uma experiência agradável. No entanto, imagino que essas pessoas de fato existam, e em número suficiente para levar Ricardo a dividir seu incômodo com os leitores desta coluna. Será que elas estão erradas?

Acredito que sim, mas a resposta precisa de uma explicação.

Todo mundo já deve ter se encontrado em alguma situação em que o adiantado da hora provoca confusões desse tipo. “Hoje eu trabalhei feito um cavalo”, diz o boêmio no embalo do décimo terceiro chope. “Hoje não, ontem”, corrige alguém, apontando o relógio para indicar que o calendário já virou. “É hoje mesmo”, talvez insista então nosso boêmio hipotético, “porque eu ainda não dormi.” A piadinha clássica nessa hora é um tributo à relatividade do tempo: “Hoje já é amanhã”.

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Os dicionários informam que “bom dia” é um cumprimento que se faz no período da manhã. Esta, como se sabe, é definida como “parte inicial do dia que vai do levantar do Sol ao meio-dia” (Houaiss). No entanto, quem dá um bom-dia (com hífen porque aqui estamos substantivando o cumprimento) quando as trevas ainda dominam o céu sempre poderá alegar que está seguindo fielmente o que dita o relógio – tecnicamente, começa à meia-noite um novo dia.

Trata-se de um conflito entre duas acepções do substantivo dia: uma, natural, é “período decorrente entre a aurora e o crepúsculo”; a outra, civil, é “período compreendido entre zero e 24 horas”. O fato é que não existem regras que impeçam ninguém de escolher a acepção que mais lhe agrade nesse caso. A não ser, claro, as regras do bom senso.

Saudações como “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite” são fórmulas de cortesia, moedinhas trocadas no convívio social. Sua lógica se prende mais à dinâmica da vida cotidiana do que a ponteiros frios ou dígitos gélidos. Nessa dinâmica, o novo dia começa quando acordamos ou quando o sol se levanta – o que para muita gente é exatamente a mesma coisa.

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Relativo? Claro. Talvez seja compreensível o bom-dia dado a um trabalhador noturno – um vigia por exemplo – que se apresente de banho tomado para iniciar sua jornada à meia-noite. Coisa bem diferente e até antipática é brindar com o mesmo cumprimento quem adia o momento de ir para casa dormir.

A tese de que mensagens gravadas de telemarketing, com sua óbvia insensibilidade a sutilezas desse tipo, sejam responsáveis pelo modismo é interessante, mas exigiria uma investigação cuidadosa. Não acho improvável que estejamos diante de mais uma manifestação do apego excessivo que muitos falantes têm demonstrado ao que julgam ser o sentido preciso (literal) das palavras. O mesmo fenômeno que conduziu ao questionamento tolo de uma expressão como “risco de vida”.

*

Envie sua dúvida sobre palavra, expressão, dito popular, gramática etc. Toda quinta-feira o colunista responde ao leitor na seção Consultório. E-mail: sobrepalavras@todoprosa.com.br

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