Cuidado, presidente: ‘diuturno’ não significa ‘diurno’
“Se fosse com qualquer governo da situação, nós seríamos criticados diuturna e noturnamente”, disse a presidente reeleita Dilma Rousseff ontem à noite, em rede nacional de televisão, referindo-se à seca em São Paulo. Evidentemente, queria dizer que seu partido seria criticado “dia e noite” – “diuturna e noturnamente” seria apenas a versão mais empolada daquela […]
“Se fosse com qualquer governo da situação, nós seríamos criticados diuturna e noturnamente”, disse a presidente reeleita Dilma Rousseff ontem à noite, em rede nacional de televisão, referindo-se à seca em São Paulo.
Evidentemente, queria dizer que seu partido seria criticado “dia e noite” – “diuturna e noturnamente” seria apenas a versão mais empolada daquela locução popular. Ocorre que o adjetivo “diuturno”, embora se pareça com “diurno” e induza algumas pessoas ao erro, tem sentido bem diferente.
A principal acepção de “diuturno”, segundo o Houaiss, é “que se prolonga, prorroga ou protela no tempo; que subsiste por muito tempo; longo”. Também pode ter o significado de “longamente considerado, amadurecido”, mas este é de emprego mais raro. De uma forma ou de outra, usar essa palavra em oposição a “noturno” não tem cabimento.
Embora diuturno, do latim diuturnus, e diurno, de diurnus, tenham parentesco etimológico, seus sentidos nunca chegaram perto de se confundir, nem mesmo em sua língua de origem. Ambos são derivados do substantivo dies, mas repartiram sua carga semântica.
Além de “dia, período de vinte e quatro horas” e “período que se opõe à noite”, dies queria dizer também “tempo, dilação, demora, espera; sucessão dos tempos, duração”, segundo o dicionário Saraiva. Foi este último sentido que deu em diuturnus.
Na dúvida, como sempre, é melhor dispensar a prosopopeia e simplificar o discurso: “dia e noite” nunca derrubou ninguém.
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Publicado em 28/10/2014.