Como o tempo distanciou a crônica do crônico
“Há algum tempo penso na semelhança dessas duas palavras: por que ‘crônico’ e ‘crônica’ são tão parecidas graficamente, tendo como única diferença as duas últimas vogais, e ao mesmo tempo possuem significados diferentes? E vou além: em grego são escritas da mesma forma. Eu fico intrigado com a semelhança nas grafias de algumas palavras. Por […]
“Há algum tempo penso na semelhança dessas duas palavras: por que ‘crônico’ e ‘crônica’ são tão parecidas graficamente, tendo como única diferença as duas últimas vogais, e ao mesmo tempo possuem significados diferentes? E vou além: em grego são escritas da mesma forma. Eu fico intrigado com a semelhança nas grafias de algumas palavras. Por causa de uma letra muda todo seu significado.” (Fernando Barricatti)
Essa é fácil, Fernando. A semelhança entre o adjetivo crônico e o substantivo crônica se deve ao fato de que ambos são galhos da mesma árvore: o adjetivo grego khronikós, “relativo ao tempo” (khrónos), transposto inicialmente para o latim como o adjetivo chronicus e em seguida substantivado como chronica. Embora o tempo, sempre ele, tenha conduzido essas palavras por caminhos semânticos cada vez mais distantes, ainda se percebe em seu núcleo o significado da qual ambas partiram, o mesmo da matriz grega – “relativo ao tempo, que se estende no tempo ou segue a ordem do tempo”.
A doença é chamada de crônica porque dura muito tempo. A crônica como gênero literário tem esse nome porque ao surgir – no campo dos textos históricos – referia-se unicamente a relatos que apresentavam fatos em sucessão cronológica. A expansão de sentido sofrida pelo substantivo crônica desde então contribuiu para obscurecer seu parentesco com o adjetivo crônico: a partir do século 19, a palavra vem sendo usada para textos jornalísticos dos mais variados tipos, nem sempre ligados diretamente à ideia de relato cronológico.
No Brasil, aquela que é hoje, provavelmente, a acepção mais difundida de crônica afasta-se mais ainda da raiz do termo: artigo assinado, quase sempre leve e puxado para o lírico ou o humorístico, de maior liberdade estilística que as matérias convencionais. Aquilo que Rubem Braga escrevia como ninguém.
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