Clichês
– Mãe, olha o meu castelo de areia. Ficou bonito? – Lindo, querido. Uma graça. – Eu ia fincar uma bandeira de palito de picolé aqui. – Boa ideia. Por que não faz isso? – Eu ia, mas aí achei que podia ficar clichê. – Hã? Hahaha. Onde você aprendeu essa palavra? – Com você, […]

– Mãe, olha o meu castelo de areia. Ficou bonito?
– Lindo, querido. Uma graça.
– Eu ia fincar uma bandeira de palito de picolé aqui.
– Boa ideia. Por que não faz isso?
– Eu ia, mas aí achei que podia ficar clichê.
– Hã? Hahaha. Onde você aprendeu essa palavra?
– Com você, ué. Você fala muito. Tem a ver com chiclete?
– Não, nada a ver. Eu falo muito, é?
– O tempo todo. Sempre diz que os livros dos outros escritores têm muito clichê. Não é uma coisa boa, né?
– Não.
– Os seus livros não têm clichê, mãe?
– Ah, meu amor, que ideia! Devem ter. Mas eu faço o possível para evitar.
– Por quê? Acho que eu não sei direito o que é clichê.
– Sabe sim. É uma coisa batida, que as pessoas já fizeram ou falaram muitas e muitas vezes. Você não disse que o palito de picolé no alto do castelo seria clichê? Pois é, acertou.
– O que mais é clichê?
– Ih, muita coisa. Tá vendo o mar? Aquela cor verde bonita dele? Dizer que o mar é líquida esmeralda seria um clichê, por exemplo.
– Dizer que o mar é o quê?
– Líquida esmeralda.
– Hihihi, viajou legal, hein? Nunca ouvi isso!
– É, não foi um bom exemplo. Mas você ainda é pequeno, vai ouvir. Vai ouvir muito clichê pela vida.
– …
– O que faz o clichê é a repetição, entendeu?
– Hmm. Eu já falei muitas vezes que amo você.
– Também te amo, filho.
– Isso também é clichê?
– Não, querido.
– Por quê?
– Porque é verdade.
– Clichê é sempre mentira?
– Mais ou menos isso.
– Não entendi nada. Sabe de uma coisa?
– O quê?
– Vou fincar o palito.