‘Certa feita’ é uma expressão caída em desuso?
“Sérgio, ano passado, assistindo ao Estúdio i da GloboNews, enviei uma pergunta a Dori Caymmi, que era o entrevistado do momento, e nessa pergunta usei esta expressão: ‘Certa feita, Dori, você disse que sua música era triste porque o Brasil também era triste…’. A apresentadora do programa, antes de passar a pergunta para o Dori, […]
“Sérgio, ano passado, assistindo ao Estúdio i da GloboNews, enviei uma pergunta a Dori Caymmi, que era o entrevistado do momento, e nessa pergunta usei esta expressão: ‘Certa feita, Dori, você disse que sua música era triste porque o Brasil também era triste…’. A apresentadora do programa, antes de passar a pergunta para o Dori, explicou que a expressão ‘certa feita’ usada por mim era algo antigo e em desuso, e acabou traduzindo para seu público o que queria dizer: ‘tempos atrás, um certo dia etc.’. Pergunto: será que estou tão errado em usar algo que até hoje eu ouço e leio em muitos artigos? Achei um excesso de modernismo. Grato.” (Ramon Navarro de Souza)
O episódio relatado por Ramon é curioso, mas projeta uma sombra triste – como o Brasil e a música que ele inspira a Dori Caymmi, segundo o próprio músico.
Por um lado, o leitor está cheio de razão ao se espantar com o fato de “certa feita” – expressão correta, tradicional e, sim, ainda de uso corrente, que significa simplesmente “certa vez, em determinada ocasião” – necessitar de “tradução”.
Por outro lado, seria injusto condenar uma apresentadora de TV por suspeitar que uma parcela de sua audiência não compreenderia a expressão. Pode ter havido excesso, mas não de modernismo e sim de realismo.
Tomado isoladamente e na acepção de “ocasião, oportunidade, vez, momento propício” (Houaiss), o substantivo “feita” caiu mesmo em desuso. Sobreviveu, porém, nas locuções adverbiais “uma feita”, “de uma feita” e “certa feita”.
Se em termos objetivos a apresentadora cometeu um erro ao dizer que já não se usa “certa feita” no português contemporâneo, acredito que tenha acertado ao considerar que essa locução – hoje de sabor um tanto livresco, levemente antiquado – poderia confundir uma audiência que, sendo de massa, sempre será majoritariamente semiletrada, vítima da antiga calamidade educacional que o Brasil faz questão de não deixar cair em desuso.
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