Carnaval: da interdição ao vale-tudo
A palavra desta semana, carnaval, tem a ver com carne? Claro que tem, mas as aparências enganam. Em vez da carne humana que desfila pelas ruas em plena folia, desinibida e seminua, estamos falando da carne de animais – literalmente – comestíveis. E em vez de licença e permissividade, a palavra em sua origem traduzia […]
A palavra desta semana, carnaval, tem a ver com carne? Claro que tem, mas as aparências enganam.
Em vez da carne humana que desfila pelas ruas em plena folia, desinibida e seminua, estamos falando da carne de animais – literalmente – comestíveis. E em vez de licença e permissividade, a palavra em sua origem traduzia o oposto: interdição, veto.
Interdição? Veto? Pois é: às vezes a história das palavras lembra o samba do crioulo doido, mas no fim tudo se explica. Ou quase tudo.
A palavra foi importada no século 16 do italiano carnevale, derivada pela maioria dos filólogos da expressão latina carnem levare, que significa suspender a carne, afastar-se dela. Carnaval referia-se inicialmente apenas à Terça-Feira Gorda, véspera da Quarta de Cinzas, quando começa a Quaresma, que uma tradição católica um tanto esquecida mandava consagrar inteiramente ao jejum – a hora, portanto, de suspender o consumo de carne. Sim, é provável que, por trás da aparente severidade, a ideia de excesso já acompanhasse a palavra em seu nascimento: nas últimas horas antes da interdição da carne, abusava-se de seu consumo.
De toda forma, a etimologia de carnaval não é de todo pacífica. Entre outras teses, já gozou de prestígio popular a de que a palavra viria de carrus navalis, “carro naval”, uma espécie de precursor romano dos carros alegóricos das escolas de samba. Seria uma origem divertida, mas não conheço nenhum filólogo sério lhe dê crédito hoje.