Cair no gosto ou cair no goto?
“Estimado Sérgio Rodrigues, outro dia eu estava dizendo que uma determinada música caiu no gosto do público e fui corrigida. Disseram que a expressão correta é ‘cair no goto’, que eu nunca ouvi na vida. Isso faz sentido? Obrigada.” (Elizabeth Coimbra) Como informação histórica sobre a língua, sim, o argumento ouvido por Elizabeth faz sentido. […]
“Estimado Sérgio Rodrigues, outro dia eu estava dizendo que uma determinada música caiu no gosto do público e fui corrigida. Disseram que a expressão correta é ‘cair no goto’, que eu nunca ouvi na vida. Isso faz sentido? Obrigada.” (Elizabeth Coimbra)
Como informação histórica sobre a língua, sim, o argumento ouvido por Elizabeth faz sentido. O mesmo não se pode dizer do espírito corretivo que o motivou: ela pode continuar usando “cair no gosto” sem susto.
A expressão popular tradicional é realmente “cair no goto” – uma variação de “dar no goto”. Goto é um sinônimo informal de glote. As duas locuções significam, nas palavras do Houaiss, “ser objeto de agrado, de atenção; cair nas boas graças”.
Ocorre que “cair no goto”, locução tão antiga que mereceu a atenção do erudito Castro Lopes no século XIX, passou a apresentar uma série de inconvenientes para o falante moderno.
Um deles é o fato de goto ser uma palavra pouco conhecida. O outro, provavelmente o mais importante, é a grosseria da referência a uma função corporal. Deve-se acrescentar à lista a ambiguidade de uma expressão que, tomada literalmente, significa “provocar engasgo ou sufocamento” – algo muito distante do agrado que se pretendia comunicar.
Essa relação entre o sufocamento e o agrado é obscura. Antenor Nascentes considerou “pouco convincente” a explicação de Castro Lopes, para quem “uma coisa que nos agrade muito, que nos dê grande prazer, faz-nos rir a bandeiras despregadas e até nos provoca tosse, pelo que a pessoa que experimenta esse excessivo prazer e gosto se parece com quem, na ocasião da deglutição, sentiu cair-lhe na glote alguma parcela de comida”.
Concordo com Nascentes: não cola. Seja como for, o desenvolvimento da variação “cair no gosto” – que pode ter nascido de um mal-entendido ou como eufemismo intencional, mas, de uma forma ou de outra, é dominante há muito tempo – eliminou tais problemas.
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