Cadeia: os muitos elos de uma palavra dura
Cadeia, enfim. A decisão de prender de imediato os réus do processo do mensalão que já estão inapelavelmente condenados, tomada pelo Supremo Tribunal Federal, fez a semana ser dominada por uma palavra que comentei aqui no blog há quase três anos. Tratava-se de uma resposta ao leitor Diogo Pinheiro, que queria saber qual é a […]

Cadeia, enfim. A decisão de prender de imediato os réus do processo do mensalão que já estão inapelavelmente condenados, tomada pelo Supremo Tribunal Federal, fez a semana ser dominada por uma palavra que comentei aqui no blog há quase três anos.
Tratava-se de uma resposta ao leitor Diogo Pinheiro, que queria saber qual é a relação que existe – se é que existe – entre a cadeia-prisão, como a que aguarda os mensaleiros, e a cadeia-sequência, palavra presente em expressões como “cadeia montanhosa”.
Uma relação hipotética, imaginada por ele, repousaria no fato de “a paisagem da prisão ser formada por uma fileira de celas”. Engano: não se trata disso. Mas a relação existe, como expliquei na época com as seguintes palavras:
A resposta à dúvida de Diogo passa longe do encadeamento de celas numa penitenciária, embora seja preciso reconhecer na imagem certo charme sinistro. Na verdade, é mais simples a explicação da polissemia de cadeia: tanto a cadeia-prisão quanto a cadeia-sequência (de montanhas, alimentar, reação em cadeia etc.) têm origem na ideia de corrente, peça formada por argolas de metal entrelaçadas. Era corrente, no sentido mais literal e chão, a primeira acepção do termo latino catena.
A cadeia-corrente passou por expansões semânticas em duas direções principais, ambas mais ou menos autoexplicativas. Usada desde sempre para prender condenados, com vantagens evidentes sobre a corda, o primeiro transbordamento parece ter sido justamente o da metonímia que transformou a cadeia em sinônimo de prisão: se priva da liberdade, é cadeia, mesmo que os grilhões propriamente ditos já não venham ao caso.
Levada para outro lado, por analogia, a mesma cadeia-corrente veio a designar metaforicamente diversos tipos de sucessão de coisas ou eventos, em que a um “elo” se segue outro, como no exemplo da “cadeia montanhosa” citado por Diogo.
Tal espalhamento nada tem de raro, pelo contrário: são praticamente incontáveis os vocábulos que se desdobraram e continuam a se desdobrar em novas acepções por meio de processos semelhantes.
O que este caso tem de especial é que nele, e só nele, já vem pronta a bela imagem da palavra como uma cadeia de sentidos entrelaçados.