Cadáver: carne dada aos vermes?
Correndo o risco de ser estraga-prazeres, a seção Lendo a lenda cumpre a obrigação de informar que uma tese de grande circulação sobre a origem da palavra “cadáver” não tem a menor sustentação histórica. Estamos falando da lenda que afirma ser o termo latino cadaver, no qual o português foi buscar esse substantivo no início […]

Correndo o risco de ser estraga-prazeres, a seção Lendo a lenda cumpre a obrigação de informar que uma tese de grande circulação sobre a origem da palavra “cadáver” não tem a menor sustentação histórica.
Estamos falando da lenda que afirma ser o termo latino cadaver, no qual o português foi buscar esse substantivo no início do século XVII, oriundo da reunião das sílabas iniciais da expressão caro data vermibus, isto é, “carne dada aos vermes”. Engenhoso, sem dúvida, mas…
As provas de que isso não passa de invencionice são duas. Para início de conversa, a etimologia traça sem nenhum tropeço a genealogia de cadaver até o verbo cadere, “cair, cair no combate, morrer”. O que faz da palavra uma parente do substantivo queda e do adjetivo cadente, mais empregado ao lado do substantivo estrela para designar corpos celestes que, caindo, riscam a noite. Já no grego ptoma, “cadáver”, se encontrava a mesma associação entre a morte e a queda.
A segunda evidência – como se mais alguma fosse necessária – é o fato de que a supostamente famosa expressão latina caro data vermibus nunca foi encontrada em nenhum registro histórico. Tudo indica que nasceu na imaginação de algum autor mais recente, cujas intenções talvez fossem apenas humorísticas, antes de ganhar o mundo nas asas da ignorância.
Reconheço que neste caso a lenda, além de não fazer mal a ninguém, é mais saborosa do que a verdade. Mas lenda é, o que se há de fazer?