Biquíni, a explosão que varreu o mundo – e derrubou o Houaiss
Enquanto caminhamos a passos rápidos para o verão, volto das férias com vontade de falar da palavra biquíni. No nome desse exíguo traje de banho feminino cabem uma metáfora explosiva e um intenso comércio globalizado entre línguas, a ponto de o termo ser hoje considerado, com ligeiras alterações de grafia, simplesmente universal. Cabe também uma […]

Enquanto caminhamos a passos rápidos para o verão, volto das férias com vontade de falar da palavra biquíni. No nome desse exíguo traje de banho feminino cabem uma metáfora explosiva e um intenso comércio globalizado entre línguas, a ponto de o termo ser hoje considerado, com ligeiras alterações de grafia, simplesmente universal. Cabe também uma breve lição de história.
A gloriosa carreira internacional da palavra começou em 1946, quando os Estados Unidos iniciaram uma série de testes nucleares detonando uma bomba embaixo d’água no atol de Bikini, pertencente às ilhas Marshall, no Pacífico. Chamado de Pikkini na língua local (supostamente de pik, “superfície”, e ni, “coco”, embora isso não seja pacífico), o nome do atol ganhou manchetes mundo afora.
Aparentemente – e apesar dos horrores então recentes de Hiroshima e Nagasaki – explosões nucleares ainda eram capazes de gerar cogumelos atômicos de glamour. E os franceses, principais árbitros do glamour e do batismo de peças de vestuário, foram rápidos no gatilho. Naquele mesmo ano, o designer Louis Réard (foto acima) registrou a palavra bikini como marca de sua versão especialmente exígua (e com lacinhos) de duas-peças. Tais tipos de traje vinham encolhendo cada vez mais por essa época na Riviera, mas o bikini era tão pequeno que todas as modelos procuradas se recusaram a vesti-lo na festa de lançamento. Foi preciso contratar uma stripper.
No ano seguinte, em tom moralista, o jornal “Le Monde” atestava o valor metafórico da nova acepção, “palavra tão devastadora quanto uma explosão, correspondente à aniquilação da superfície coberta pelo traje e à minimização extrema da vergonha”.
Depois disso, só não foi possível, para tristeza de Réard, controlar a reação linguística em cadeia que espalhou a palavra pelo mundo como substantivo comum. O inglês a adotou já em 1947. O primeiro registro em português, segundo o Houaiss, dataria de 1975, o que é um erro evidente. O arrasa-quarteirão “Biquíni de bolinha amarelinha”, versão de uma canção americana feita por Hervé Cordovil e gravada por seu filho Ronnie Cord, é de 1964.
Atualização as 18h05: Fui alertado pela leitora Roseli (comentário abaixo) de que o verbete “biquine” (sic) do Houaiss traz a data, esta provavelmente correta, de “cerca de 1947″. Isso de certa forma atenua a falha do dicionário, mas introduz novas complicações. O verbete biquine remete a biquíni, forma tratada como preferencial, o que torna as datações diferentes simplesmente contraditórias. Não se trata de datas diferentes para palavras diferentes ou mesmo acepções diferentes de uma mesma palavra. Um verbete apenas remete ao outro, sem mais. Variações de grafia não são levadas em conta nessa hora: a data de futebol, por exemplo, é 1889, quando a palavra era escrita “foot-boll” (sic). De toda forma, a grafia da palavra na referida canção, certamente replicada em incontáveis revistas da primeira metade dos anos 1960, era “biquíni” mesmo. Enfim, um rolo merecedor de conserto, mesmo porque muito pouca gente abriria o dicionário para procurar “biquine”, forma praticamente inexistente na língua real. Mas Roseli tem razão, é importante ter todos os dados.