
“Professor, gostei da explicação sobre ‘maria-vai-com-as-outras’. Gosto muito dessas expressões populares e minha dúvida é sobre uma delas: quem é o Neves do famoso ditado ‘Até aí morreu o Neves’? Já ouvi que é o Tancredo, mas acho que a expressão é mais antiga, estou errado?” (Josias Trindade)
Josias está certo: a frase feita “Até aí morreu o Neves” não deve nada à morte, em 1985, do presidente eleito Tancredo Neves (foto). Sendo uma expressão velha de séculos, poderia, na melhor das hipóteses, ser considerada premonitória.
O fato é que nenhum dos estudiosos da fraseologia da língua portuguesa sabe que Neves é esse. O sentido da frase é pacífico: diz-se “Até aí morreu o Neves” quando se quer dizer algo como “E daí? O que você diz não traz novidade nenhuma”. Sua origem, no entanto, é obscura.
A única tese que encontrei sobre isso é a do filólogo João Ribeiro, um dos maiores estudiosos brasileiros da matéria, em seu livro “Frases feitas – Estudo conjetural de locuções, ditados e provérbios”. A hipótese vale pela ousadia de ensaiar uma explicação para algo tão nebuloso.
Depois de ressalvar que “não há na história ou na lenda nenhum Neves famoso que eu conheça” e que “pode ser que [a frase] tenha origem em algum entremez, vaudeville ou comédia”, Ribeiro apresenta o que chama de “conjetura”: a de que “Até aí morreu o Neves” tenha surgido como variante de outra frase feita clássica da língua portuguesa, “Morreu Inês” ou, na versão mais usada hoje, “Inês é morta”, que significa “Agora é tarde demais”.
Inês, ao contrário de Neves, sabe-se quem é: a fidalga Inês de Castro, a “rainha morta”, amante do futuro rei de Portugal D. Pedro I (não confundir com o nosso), assassinada em 1355 a mando do pai deste, D. Afonso IV. A tragédia de Inês tem gorda presença na história, na literatura, na lenda e na imaginação popular. De acordo com a curiosa especulação de Ribeiro, um mal-entendido – motor clássico de invenções linguísticas – poderia ter transformado “morreu Inês” em “morreu o Neves”.
Antenor Nascentes disse que a tese de Ribeiro “não parece muito provável”. Talvez tenha razão, mas prefiro ser menos categórico. O fato de ser a única disponível não nos permite descartá-la depressa demais.
*
Envie sua dúvida sobre palavra, expressão, dito popular, gramática etc. Às segundas, quartas e quintas-feiras o colunista responde ao leitor na seção Consultório. E-mail: sobrepalavras@todoprosa.com.br (favor escrever “Consultório” no campo de assunto).