Abaixo a poluição da linguagem: ecologia, orgânico, verde
A propósito da Rio+20, escrevi um glossário de termos “verdes” para a edição de VEJA que está nas bancas. Aí vão três amostras de palavras com algo em comum: obedecendo a motivações políticas ou comerciais, todas se distanciaram semanticamente de seu ponto de partida etimológico – o que é perfeitamente sustentável. Só que hoje, de […]

A propósito da Rio+20, escrevi um glossário de termos “verdes” para a edição de VEJA que está nas bancas. Aí vão três amostras de palavras com algo em comum: obedecendo a motivações políticas ou comerciais, todas se distanciaram semanticamente de seu ponto de partida etimológico – o que é perfeitamente sustentável. Só que hoje, de tão abusadas, elas correm o risco de virar meros termos fetichistas em campanhas publicitárias. Poluição dá na linguagem também.
Ecologia – A palavra estreou num dicionário de português em 1928, segundo o Houaiss. Cerca de meio século, portanto, depois de ser criada pelo zoólogo alemão Ernst Haeckel como Ökologie (a partir do grego oikos, “casa, habitação”), para designar o nascente estudo das relações entre seres vivos e meio ambiente. A princípio um termo científico de uso restrito, caiu na linguagem comum nos anos 1960, com os primeiros movimentos da voga ambientalista. Em inglês, data de 1969 o primeiro registro do elemento “eco” como formador de novos vocábulos dotados de uma aura ambientalmente correta, como em ecoturismo, ecodesign, ecoeficiência etc. Abusaram tanto do truque que um dos tiros acabou saindo pela culatra: nasceu o ecochato.
Orgânico – A palavra veio do latim organicus, que tinha significado bem diferente: “relativo a instrumento musical”. Foi provavelmente por influência do francês que ganhou o sentido de “relativo aos órgãos dos seres vivos”. A expressão “agricultura orgânica” surgiu na Inglaterra em 1940, por oposição a “agricultura química”, para designar aquela que dispensava agrotóxicos e adubos químicos (e mais tarde sementes geneticamente alteradas). A princípio uma atividade pouco mais que artesanal, começou a se expandir comercialmente nos anos 1970. Hoje, como “eco” e “verde”, o adjetivo se reveste de conotações fetichistas e marqueteiras: ser orgânico significa ser mais caro, além de supostamente mais saudável, embora “o atual estágio das evidências científicas não corrobore esse ponto de vista”, segundo a agência de alimentos britânica, a Food Standards Agency. Isso levou à proliferação em todo o mundo, nos últimos anos, de selos com variados graus de confiabilidade para atestar o que realmente merece ser chamado de orgânico.
Verde – A palavra está entre as mais antigas de nossa língua: vinda do latim virides, surgiu já no século 10, época que é considerada uma espécie de pré-história do português. Além da cor, nomeava as matas e, por extensão, a “natureza” em geral. Mas foi preciso esperar a ascensão dos movimentos ambientalistas, nos anos 1960, para que a palavra começasse a ganhar projeção internacional com a acepção de “ecológico, que tem preocupações ambientais”. A organização Greenpeace (literalmente, “paz verde”) foi fundada em 1971. Os primeiros partidos verdes europeus datam do fim daquela década. Hoje o sentido ambientalista de “verde” está tão consagrado que a palavra virou bordão publicitário. Todo mundo quer ser verde, o que leva governos e organizações não-governamentais a criar uma profusão de “selos verdes” para certificar produtos e empresas que, segundo critérios variados, têm o direito de se proclamar assim.