Digital Completo: Assine a partir de R$ 9,90
Imagem Blog

Sobre Palavras

Por Sérgio Rodrigues Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Este blog tira dúvidas dos leitores sobre o português falado no Brasil. Atualizado de segunda a sexta, foge do ranço professoral e persegue o equilíbrio entre o tradicional e o novo.

A vez do vice

O escritor argentino Jorge Luis Borges dizia que, apesar do inegável charme da etimologia como fonte de curiosidades, conhecer a origem das palavras não tem função prática alguma. “Saber que, em latim, cálculo significa pedrinha e que os pitagóricos usavam dessas pedrinhas antes da invenção dos números não nos permite dominar os arcanos da álgebra”, […]

Por Sérgio Rodrigues
Atualizado em 31 jul 2020, 14h54 - Publicado em 3 jul 2010, 08h48

O escritor argentino Jorge Luis Borges dizia que, apesar do inegável charme da etimologia como fonte de curiosidades, conhecer a origem das palavras não tem função prática alguma. “Saber que, em latim, cálculo significa pedrinha e que os pitagóricos usavam dessas pedrinhas antes da invenção dos números não nos permite dominar os arcanos da álgebra”, escreveu ele. “Saber que hipócrita era ator, e persona, máscara, não é um instrumento válido para o estudo da ética.”

Não duvido que em linhas gerais ele tenha razão: Borges enxergava longe. No entanto, ao se pronunciar de forma tão categórica contra a etimologia, ele parece cego a pelo menos um aspecto da questão: traçar a árvore genealógica de termos banalizados pelo uso corrente em busca de seus antepassados mais remotos pode ser uma forma de refletir mais detidamente sobre eles. E refletir quase sempre é bom – na política, por exemplo, é ótimo. Veja-se o caso de “vice”.

Olhando para Michel Temer, Indio da Costa e Guilherme Leal, os principais candidatos à vice-presidência da República, alguém pode ver apenas os coadjuvantes dos astros principais, figuras meio decorativas que pouco fazem além de escorar alianças. O vice-presidente, como o vice-campeão numa competição esportiva, é o que vem em segundo lugar, ocupando um plano recuado que nos parece tão honroso quanto inócuo: sendo vice, é quase campeão, quase presidente, mas não é campeão nem presidente. Por que lhe dar importância?

Por mais que se saiba que as coisas não funcionam assim e que ao longo de nossa história os vice-presidentes, destoando dos vice-campeões, foram convocados com razoável frequência a tomar o lugar da atração principal, a palavra vice parece carregar na alma uma conotação de irrelevância.

É aí que entra a etimologia. Para aguçar nossa consciência ao nos lembrar que o prefixo vice veio do latim vice, com seus sentidos de sucessão e alternância, como em vice-versa. Que do mesmo vice saiu o substantivo vez, o que revigora o significado de uma expressão corriqueira (também herdada do latim) como “fazer as vezes de”, ou seja, substituir. As associações ficam mais macabras quando se descobre na linhagem de vice a palavra vicissitude, que nasceu para designar simplesmente uma série de mudanças, como a das estações, mas acabou se consagrando com o sentido expandido de revés, contratempo, insucesso.

Conclusão: com sua imobilidade quase inabalável de segundo colocado, o vice-campeão, sócio relativamente recente, entrou nesse clube de gaiato. Os verdadeiros vices foram feitos para ter vez à primeira vicissitude. Depois não vale dizer que ninguém avisou.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 9,90/mês*
OFERTA RELÂMPAGO

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a R$ 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.