A transição é parente da transigência
Iniciada a temporada de passagem de bastão na presidência da República, chamada no vocabulário político de transição, a etimologia nos ajuda a jogar alguma luz sobre as ações que se agrupam em torno do verbo latino transire, que significa “passar de um lugar (ou estado) a outro”. Verbo rico, de cujo tronco brotaram o trânsito […]
Iniciada a temporada de passagem de bastão na presidência da República, chamada no vocabulário político de transição, a etimologia nos ajuda a jogar alguma luz sobre as ações que se agrupam em torno do verbo latino transire, que significa “passar de um lugar (ou estado) a outro”. Verbo rico, de cujo tronco brotaram o trânsito (transitus) e a transição (transitionis), ambos com o sentido de “ação de passar, passagem” e ambos sujeitos a engarrafamentos, seja pelo excesso de veículos ou de políticos em busca de cargos no novo governo.
Em campo semântico próximo, encontramos ainda a transigência, do latim transigire, com uma diferença: o sentido que adotamos em português para o ato de transigir – ou seja, ceder para chegar a um acordo, conciliar, acomodar – concentrou-se numa das acepções secundárias assumidas pela palavra na língua de Plínio, o Velho (o erudito romano, não o candidato do PSOL). Transigire era antes de mais nada “varar de lado a lado, traspassar, atravessar”. Transigia-se o peito do inimigo com uma lança, por exemplo. Menos conciliador, impossível.
E como foi que uma palavra tão agressiva chegou a assumir sentido quase oposto? Pela ideia de chegar à conclusão de um processo, de dar fim à desavença entre duas partes, fosse comercial ou jurídica. Atravessava-se o conflito, saía-se do outro lado, o que incluía necessariamente a ideia de concessão que terminou sendo dominante em português. O Dicionário Latino-Português de Saraiva registra transigire usado nesse sentido de concluir uma negociação por Cícero e Quintiliano, entre outros.
Entre a espada no peito e a acomodação, alguém tem dúvida de qual acepção – apesar da desfeita inicial de não convidar seu companheiro de chapa para a primeira reunião de transição – a presidente eleita Dilma Rousseff acabará adotando com o PMDB?