A rapina é parente do rapaz: crime não está no DNA
É vasta e surpreendente a família do verbo latino rapere, que significa “tomar precipitadamente, agarrar, arrebatar, apoderar-se de; levar por força, arrastar, arrebatar rapidamente” (Saraiva). Estamos, como se vê, no campo semântico vertiginoso – violento e veloz – de um verbo associado frequentemente a feras e desastres naturais, quando não a seres humanos inclinados à […]

É vasta e surpreendente a família do verbo latino rapere, que significa “tomar precipitadamente, agarrar, arrebatar, apoderar-se de; levar por força, arrastar, arrebatar rapidamente” (Saraiva). Estamos, como se vê, no campo semântico vertiginoso – violento e veloz – de um verbo associado frequentemente a feras e desastres naturais, quando não a seres humanos inclinados à prática do mal. Em sentido figurado, rapere também podia ser empregado como sinônimo de matar (arrebatar a vida), além de descrever o modo como grandes emoções se apoderavam das pessoas.
Essa inclinação da família para a violência é visível em diversos vocábulos do português moderno. Um exemplo é rapina, “roubo praticado com violência” – uma palavra mais empregada hoje na locução ave de rapina (como o gavião da foto ao lado). Outro é rapto, isto é, abdução ou sequestro, por violência ou fraude, em especial de “mulher honesta” com “fins libidinosos”, como registra o Houaiss. Os verbos usurpar e surrupiar também estão nesse caso.
Até aí, pode-se dizer que os descendentes de rapere não negam sua carga genética. As dificuldades começam quando se sabe que algumas palavras de boa índole e excelente reputação também brotaram dessa árvore, como o adjetivo rápido, “veloz”, e o substantivo rapaz, “homem jovem” – o primeiro pela concentração numa ideia de velocidade que desde o início estava presente no verbo rapere; o segundo, que chegou a ter em português a acepção arcaica de “ladrão, salteador”, por extensões de sentido que lhe foram retirando toda carga criminosa.