A palavra fiasco e o fiasco da etimologia
Sabe-se que a palavra fiasco (“fracasso, resultado desastroso de um empreendimento”), registrada em português desde 1872 [segundo o Houaiss; veja caixa de comentários abaixo], nasceu no italiano fiasco, termo que teve força suficiente para se espalhar com sua grafia de origem por diversas línguas, entre elas o francês, o inglês e o espanhol. Sabe-se também […]
Sabe-se que a palavra fiasco (“fracasso, resultado desastroso de um empreendimento”), registrada em português desde 1872 [segundo o Houaiss; veja caixa de comentários abaixo], nasceu no italiano fiasco, termo que teve força suficiente para se espalhar com sua grafia de origem por diversas línguas, entre elas o francês, o inglês e o espanhol.
Sabe-se também que fiasco é, literalmente, uma garrafa ou frasco (do latim medieval flascum). E é relativamente pacífico que seu sentido figurado nasceu e se espalhou como gíria teatral: a princípio, far fiasco (fazer fiasco) era fracassar no palco.
Mas como e por que o termo italiano para frasco veio a se tornar sinônimo de fracasso? Eis o momento em que os estudiosos começam a bater boca sem que ninguém se entenda.
O Houaiss conta uma história curiosa. Diz que a expressão “é atribuída ao que ocorreu com o arlequim bolonhês D. Biancolelli, que, tendo fracassado em sua apresentação no dia em que levou para o palco um frasco, colocou nele a culpa do insucesso”.
No entanto, embora impressione pela precisão do nome do arlequim, essa é apenas uma entre outras teses. Talvez a história contada pelo Houaiss soasse menos débil se registrasse, digamos, o porre tomado pelo ator com sua garrafinha em cena aberta, e a amnésia subsequente, mas não é disso que se trata.
No dicionário etimológico de Antenor Nascentes vamos encontrar o mesmo personagem, dessa vez com o nome de Biancoletti (e não Biancolelli) e envolto em mais detalhes: o frasco seria apenas um adereço de cena, objeto aleatório que o ator variava a cada noite. Fica claro, porém, que o próprio Nascentes dá pouco crédito à anedota, apresentando-a assim: “Numa revista apareceu a seguinte historieta…”. O cheiro de lenda é forte.
Deve ser por isso que o dicionário Oxford prefere a segurança de uma afirmação vaga, falando em “supostos incidentes na história do teatro italiano”. Também já se atribuiu a expressão ao fato de os artesãos de vidro de Veneza separarem peças com imperfeições (fracassadas, portanto) numa pilha que mais tarde seria fundida e transformada em garrafas. E ainda a um jogo em que cabia ao perdedor (o fracassado) pagar a próxima garrafa de vinho.
É provável que as nuvens em torno da origem de fiasco jamais se dissipem. Quanto mais se entra no terreno da informalidade, do sentido figurado, da gíria, maiores são as chances de um fiasco etimológico.