A palavra ‘amig@s’ deve ser incorporada à língua?
“Olá Sérgio. Em uma das consultas do seu blog Sobre Palavras, você discutiu a utilização recente em discursos de ‘todos e todas’ em detrimento apenas de ‘todos’. Um modismo que tem nos assolado em tempos do politicamente correto é a substituição das vogais ‘o’ e ‘a’ no final de substantivos por ‘x’ e @, para […]
“Olá Sérgio. Em uma das consultas do seu blog Sobre Palavras, você discutiu a utilização recente em discursos de ‘todos e todas’ em detrimento apenas de ‘todos’. Um modismo que tem nos assolado em tempos do politicamente correto é a substituição das vogais ‘o’ e ‘a’ no final de substantivos por ‘x’ e @, para abarcar outros gêneros (embora não sei o que isso signifique). Minha dúvida é: a língua escrita deve mudar para ficar mais inclusiva?” (Lucas Gomes Pereira)
Lucas aponta um modismo que já tinha chamado minha atenção e que dificilmente terá escapado a alguém a esta altura do furdunço virtual.
Em vez de, como José Sarney e outros políticos, desdobrar a palavra “amigos” em seus dois gêneros e digitar “amigas e amigos”, alguns usuários mais irreverentes da língua deram para escrever “amig@s”, sobretudo em mensagens de texto e e-mail. (Confesso que não me lembro de jamais ter visto “amigxs”, uma solução claramente inferior, mas estou disposto a acreditar que exista também.)
Sobre a moda do “amigas e amigos”, uma bobagem politicamente correta, já escrevi aqui. O português usa historicamente o gênero masculino para plurais que incluam pessoas ou coisas dos dois gêneros. De poucas décadas para cá, o ambiente cultural passou a conspirar para que tal solução soe machista, e a referência redundante a ambos os gêneros se tornou a marca mais visível daquilo que – a meu ver equivocadamente – chamam de “linguagem inclusiva”.
A utilização da arroba nesses casos é uma tentativa de superação dialética – e bem humorada – da redundância, um retorno à síntese do masculino sem a suspeita de machismo que paira sobre ele. Com a vantagem de aceitar de antemão quaisquer outros “gêneros” (no sentido de papéis sexuais, não de classes gramaticais) que a inquietude dos seres humanos quiser reivindicar, como observa Lucas. Isso significa que “a língua escrita deve mudar para ficar mais inclusiva”?
Não acredito que deva nem que vá mudar. A arroba não faz parte do alfabeto e enfrentaria obstáculos de todo tipo se tentasse se filiar ao clube. Uma coisa é a língua formal, outra é o conjunto de símbolos que qualquer pessoa pode usar para se expressar.
“Amig@s” é, na minha opinião, uma transgressão simpática e inofensiva. Uma notação lúdica que tem tantas chances de ser incorporada ao português formal quanto, por exemplo, “blz” tem de um dia substituir “beleza”.
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