A metáfora é o ar que respiramos
A metáfora, na língua, é a água que bebemos, o ar que respiramos. Isso é em si uma metáfora, aliás banal, mas a banalidade não lhe tira necessariamente a substância. Como se sabe, lugares-comuns só viram lugares-comuns porque contêm em seu núcleo uma verdade tão luminosa e evidente que a necessidade de sua expressão se […]
A metáfora, na língua, é a água que bebemos, o ar que respiramos. Isso é em si uma metáfora, aliás banal, mas a banalidade não lhe tira necessariamente a substância. Como se sabe, lugares-comuns só viram lugares-comuns porque contêm em seu núcleo uma verdade tão luminosa e evidente que a necessidade de sua expressão se multiplica em incontáveis repetições, até que a própria reiteração, saindo pela culatra, termina por lhe tirar a força.
Mas não é de lugar-comum que eu quero falar. O assunto aqui é metáfora. A inspiração veio de uma declaração do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, a respeito do apagão que atingiu oito estados do Nordeste na madrugada de sexta-feira. Lobão minimizou o ocorrido dizendo que o sistema de transmissão de energia é “robusto e moderno”. Vamos fechar o foco na palavra robusto.
Seu emprego na fala do ministro nada tem de metafórico, claro – pode no máximo ser forçado ou até, como argumentariam críticos mais veementes, cínico. Mas é simples e direto. Metáfora é a criação, no plano simbólico, de uma analogia entre coisas que não são imediatamente análogas. No caso, para encontrar algo do gênero, teremos que examinar por dentro o próprio adjetivo robusto.
Do latim robustus, a palavra tinha o sentido original de “feito de carvalho” – que em latim arcaico era robus, antes de virar robur. Madeira resistente, o adjetivo que significava “de carvalho” não demorou a ver seu sentido transbordar na própria cultura latina – metaforicamente, aí está – para qualificar tudo que fosse forte, duro, sólido. Mais tarde, migrando para outras línguas, o corpo da palavra perdeu qualquer traço de vínculo com a madeira, mas a metáfora não morreu. Ficou oculta no fundo da sua alma.
O processo é curioso, mas nada tem de exceção na história das línguas. Talvez seja mesmo a regra. O que leva alguns radicais a sustentar a tese vertiginosa de que, mais do que um recurso expressivo à disposição dos falantes, a metáfora é o próprio princípio fundador da linguagem. Afinal, argumentam, o pau e a pedra só viram “pau” e “pedra” quando se dá um milagre da inteligência: a identificação (metafórica, embora isso também não passe de uma metáfora) entre mundos absolutamente distintos – coisas sem nome de um lado, nomes sem coisa do outro.