A lascívia nasceu inocente
“O beijo”, escultura de Rodin A palavra lascívia é uma das mais expressivas da língua portuguesa para designar “propensão para a luxúria, sensualidade exagerada; lubricidade” (Houaiss). A própria sonoridade da palavra parece sugerir sentidos apimentados. No entanto, curiosamente, o termo surgiu no latim com ar inocente. Continua após a publicidade A lascivia original era marcada […]

A palavra lascívia é uma das mais expressivas da língua portuguesa para designar “propensão para a luxúria, sensualidade exagerada; lubricidade” (Houaiss). A própria sonoridade da palavra parece sugerir sentidos apimentados. No entanto, curiosamente, o termo surgiu no latim com ar inocente.
A lascivia original era marcada pela ideia de brincadeira. “Ação de pular, de brincar pulando (com respeito aos animais)”, registra como acepção primária o Dicionário Latino-Português de Saraiva. E ainda: “Divertimento (das pessoas)”. O poeta Lucrécio e o orador Cícero empregaram a palavra em sentido figurado como “gênio galhofeiro, folgazão, jovial, bom humor, galhofa, gracejo, jovialidade, graça, brincadeira”.
Como foi, então, que a lascívia saiu de um campo semântico risonho e luminoso para ganhar seus atuais contornos noturnos, pecaminosos? Há provavelmente duas fases na transformação. Ela começou a se dar ainda antes de Cristo: há registros do uso do substantivo pelo poeta Ovídio – de uma geração posterior à de Cícero e Lucrécio – com o sentido de “desregramento, devassidão, libertinagem”. O caminho entre a ideia de brincadeira e a de brincadeira sexual não seria tão longo, afinal.
No entanto, foi com Tertuliano e outros autores cristãos que a metamorfose se consolidou. Em suas pregações, fixou-se o significado negativo de lascivia – não apenas no sentido moral, de excesso, mas também religioso, de pecado. A acepção de “falta de pudor” acabaria por acompanhar o transbordamento da palavra para diversos idiomas.