A ficha (nem tão limpa) da palavra ficha
A chamada Lei da Ficha Limpa, que o Supremo Tribunal Federal decidiu já ser aplicável em 2012, deve ao francês o vocábulo que está em seu centro: ficha, nossa Palavra da Semana, é um substantivo existente em português desde meados do século 19 e que, entre outras, tem a acepção de “cartão destinado ao arquivamento […]
A chamada Lei da Ficha Limpa, que o Supremo Tribunal Federal decidiu já ser aplicável em 2012, deve ao francês o vocábulo que está em seu centro: ficha, nossa Palavra da Semana, é um substantivo existente em português desde meados do século 19 e que, entre outras, tem a acepção de “cartão destinado ao arquivamento onde se registram informações sobre determinada pessoa”. Por metonímia, refere-se também às próprias informações ali contidas.
É claro que nem toda ficha contém dados de natureza policial, mas o verbo fichar, registrado pela primeira vez em 1938, é frequentemente usado com o sentido nada lisonjeiro de “incluir (alguém) nos arquivos policiais” – inclusive com o registro das impressões digitais. Foi assim que a locução “ficha limpa” ganhou na linguagem informal o sentido de passado impoluto, reputação ilibada, bom conceito na praça, enquanto “ficha suja” quer dizer obviamente o oposto disso.
A palavra francesa fiche nasceu no século 15 com um sentido bem diferente do que está agora em questão: pino, objeto pontudo usado para fixar (ficher, verbo do qual o substantivo fiche é derivado, era originalmente uma variante de fixer, onde fomos buscar nosso fixar). No século 17 a palavra passou a designar também cada uma das peças usadas para a contagem de pontos em certos jogos. Apenas no século 19 surgiu a acepção de cartão onde se anotam dados para arquivamento – na qual, no entanto, a ideia de fixação, mesmo metafórica, continua presente.
Note-se que o vocábulo ficha conserva o sentido original de pino ou conjunto de pinos (especialmente de aparelhos elétricos ou eletrônicos) em todos os países lusófonos com exceção do Brasil. Aqui, usamos em seu lugar tomada ou plugue, forma aportuguesada de plug – anglicismo de grande circulação, apesar dos protestos dos puristas.