A fêmea do elefante pode ser chamada de ‘elefoa’?
“A maioria das pessoas acha que o feminino de ‘elefante’ é ‘elefoa’. No entanto, me lembro de aprender na escola que o correto era ‘elefanta’ ou ‘aliá’. Hoje, vieram me perguntar. Consultei o Houaiss e o Aulete, e não apresentavam registro de ‘elefoa’. No entanto, o Volp, sim. Trata-se apenas de palavra popularizada e, portanto, […]
“A maioria das pessoas acha que o feminino de ‘elefante’ é ‘elefoa’. No entanto, me lembro de aprender na escola que o correto era ‘elefanta’ ou ‘aliá’. Hoje, vieram me perguntar. Consultei o Houaiss e o Aulete, e não apresentavam registro de ‘elefoa’. No entanto, o Volp, sim. Trata-se apenas de palavra popularizada e, portanto, constante no Volp? Se está tão popularizada, não deveria constar nos dicionários também? Obrigada.” (Licia Mattos)
A descoberta de Licia não deixa de ser espantosa: o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), publicado pela Academia Brasileira de Letras, registra mesmo a palavra “elefoa”.
A notícia é surpreendente porque “elefoa” é um velho erro cômico – e um tanto infantil – que não tem a menor sustentação etimológica ou morfológica. O feminino de “elefante” é “elefanta”.
A maior parte dos dicionários brasileiros registra também “aliá”, uma palavra de origem oriental (cingalesa) que, verdade seja dita, só não caiu em completo esquecimento devido à insistência desses mesmos dicionários em mantê-la viva, com a ajuda de certos professores e redatores de palavras cruzadas. Na vida real, faz tempo que ninguém chama elefanta de aliá. A maioria dos lexicógrafos de Portugal nem registra o termo.
O vocábulo “elefoa” jamais teve acolhida em nenhum dicionário de português – luso ou brasileiro – de que eu tenha notícia. Sua única aparição é negativa e se dá no Aurélio, que anota: “Não existe o feminino elefoa”. O que atesta a popularidade do erro, mas só isso.
Será que os dicionários devem se adaptar e reconhecer a forma preferida por tanta gente – ou pela “maioria das pessoas”, como diz Licia, embora eu duvide que o problema seja tão grave assim? Não, não creio que devam.
É verdade que a língua está em constante movimento e que muitos equívocos e mal-entendidos de ontem estão perfeitamente integrados à norma culta de hoje. No entanto, há erros condenados a ser apenas isto: erros.
Muita gente mistura as duas coisas, mas duvido que “loção” um dia vire sinônimo de “noção”. Na minha opinião, melhor faria o Volp se tirasse de cena a palavrinha malformada – ou então, por coerência, passasse a registrar também dibre, variante popular de “drible” que é bem mais defensável e deve ter mais adeptos do que “elefoa” entre os falantes brasileiros.
Atualização às 16h30: E não é que a trama se adensa? Investigando um pouco mais fundo, descobrimos que “elefoa” tem, sim, um defensor entre os filólogos brasileiros: o respeitado gramático Evanildo Bechara. Na página 140 de sua “Moderna Gramática Portuguesa”, ele lista “elefanta, elefoa, aliá” como femininos de elefante. Isso quer dizer que já são duas as fontes de peso a abonar a desprezada palavra? Não exatamente: Bechara, membro da ABL, é o grande nome por trás do Volp. A fonte é uma só!
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