‘À beça’ tem história à beça
Uma historinha etimológica que goza de popularidade há décadas atribui a origem da expressão “à beça” (que significa em grande quantidade ou intensidade, em profusão), locução adverbial exclusiva do português brasileiro, ao sobrenome do jurista sergipano Gumercindo Bessa (1859-1913), que ganhou em certo debate público com Rui Barbosa – do qual saiu vitorioso – a […]
Uma historinha etimológica que goza de popularidade há décadas atribui a origem da expressão “à beça” (que significa em grande quantidade ou intensidade, em profusão), locução adverbial exclusiva do português brasileiro, ao sobrenome do jurista sergipano Gumercindo Bessa (1859-1913), que ganhou em certo debate público com Rui Barbosa – do qual saiu vitorioso – a fama de ser uma cornucópia de argumentos.
No segundo volume de “A casa da mãe Joana”, o título mais vendido da leva de almanaques de curiosidades etimológicas que inundaram as livrarias brasileiras alguns anos atrás, Reinaldo Pimenta compra essa tese pelo valor de face. “Posteriormente, mas não muito”, afirma, “Rodrigues Alves (presidente do Brasil de 1902 a 1906) diria a um cidadão que lhe apresentava um pedido com justificativas infindáveis: ‘O senhor tem argumentos à Bessa’. A partir daí, popularizou-se a expressão à beça…”
Provavelmente não foi nada disso. A teoria Bessa é curiosa, mas filólogos sérios sempre lhe negaram crédito. O dicionário Houaiss – que esconde em letrinhas miúdas um show de compilação etimológica a cada verbete – lista algumas teses de maior prestígio para explicar a expressão, registrada pela primeira vez em torno de 1910. Invoca João Ribeiro, que viu em “à beça” relação com a palavra arcaica “abesso” (sem ordem), e menciona a acolhida que teve durante muito tempo entre os sábios a tese de uma obscura origem africana ou tupi – explicação, aliás, para a grafia oficial com cê-cedilha. Mas acaba revelando certa inclinação pela expressão francesa à verse (em quantidade), que também me parece a origem mais provável, não só pela perfeita coincidência semântica como pelo fato de termos, na época, uma cultura letrada maciçamente francófila.
O problema, para a etimologia de almanaque e seu gosto pela anedota fácil, é que tudo isso soa confuso à beça.