A algazarra e o alarido nasceram no campo de batalha
Existem em português duas bonitas e tradicionais palavras – ainda muito vivas – que, além de carregar o sentido de gritaria, bagunça, bulício, azáfama, balbúrdia, compartilham o fato de terem vindo da guerra: algazarra e alarido. Hoje domesticadas, com conotações até familiares, ambas já tiveram a acepção (caída em desuso no caso da primeira e […]

Existem em português duas bonitas e tradicionais palavras – ainda muito vivas – que, além de carregar o sentido de gritaria, bagunça, bulício, azáfama, balbúrdia, compartilham o fato de terem vindo da guerra: algazarra e alarido. Hoje domesticadas, com conotações até familiares, ambas já tiveram a acepção (caída em desuso no caso da primeira e pouco comum no caso da segunda) de gritaria das tropas no campo de batalha.
É possível que elas tenham ainda um terceiro ponto em comum: a origem árabe. Sobre este, porém, paira uma nuvem de incerteza. Se ninguém discute que algazarra, um termo do século XV, é uma das cerca de seiscentas palavras que os mouros deixaram para trás ao serem expulsos da Península Ibérica, alarido, que nasceu no século anterior, tem etimologia controversa, embora a tese de uma matriz árabe sempre apareça com força entre as cogitações dos sábios.
Algazarra veio de al-gazara, “multidão, abundância; gritaria, ruído com ira”. O primeiro sentido que teve na infância de nossa língua era decididamente guerreiro: designava o escarcéu que os exércitos mouros aprontavam no início das batalhas, como forma de se motivar e assustar os inimigos. Como almofada, açúcar, arroz, armazém, alface, alcachofra, algoz e algodão, entre tantos outros vocábulos, algazarra carrega o artigo árabe al (com o l assimilado antes de r, z, c e d) como marca eloquente de origem.
Alarido, à primeira vista, está no mesmo caso, e de fato a tese de uma origem no árabe al-arir (“barulho”) tem defensores de respeito. No entanto, entre outras especulações, há estudiosos que a ligam a uma palavra de formação expressiva, do tipo em que o som puxa o sentido – o espanhol alalido ou o francês hallali, um grito de caça, segundo o filólogo catalão Joan Corominas. De uma forma ou de outra, sua primeira acepção no Houaiss é “grito de guerra, clamor de combate”.
É curioso o modo como a passagem dos séculos tirou dos substantivos algazarra e alarido o gosto de sangue, apaziguando-os até que um ar de inocência bagunceira permitisse a Olavo Bilac escrever os seguintes versos, no poema Meio-dia: “Há recreio nas escolas:/ Tira-se, numa algazarra,/ A merenda das sacolas”.