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Sobre Palavras

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Este blog tira dúvidas dos leitores sobre o português falado no Brasil. Atualizado de segunda a sexta, foge do ranço professoral e persegue o equilíbrio entre o tradicional e o novo.
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‘Santo do pau oco’: além do contrabando

“Caro Sérgio: a respeito da sua última Palavra da Semana, ‘santo’, tenho uma dúvida. Já ouvi dizer que a expressão ‘santinha do pau oco’ é muito antiga e nasceu com o contrabando de ‘cositas’ dentro de imagens sacras. É verdade ou, como você gosta de dizer, lenda?” (Ana Miller) Cara Ana, tudo indica não ser […]

Por Sérgio Rodrigues
Atualizado em 31 jul 2020, 04h05 - Publicado em 7 abr 2014, 12h59

“Caro Sérgio: a respeito da sua última Palavra da Semana, ‘santo’, tenho uma dúvida. Já ouvi dizer que a expressão ‘santinha do pau oco’ é muito antiga e nasceu com o contrabando de ‘cositas’ dentro de imagens sacras. É verdade ou, como você gosta de dizer, lenda?” (Ana Miller)

Cara Ana, tudo indica não ser “lenda” essa famosa tese sobre a expressão “santo do pau oco” (ou “santa”, no diminutivo ou não). De fato, não faltam em museus brasileiros de arte sacra imagens de madeira das quais o miolo, por uma razão ou outra, foi retirado. A origem da locução, no entanto, não é isenta de controvérsia.

A expressão significa, como se sabe, “indivíduo sonso, fingido” (Houaiss), ou seja, santinho apenas na aparência, hipócrita, dissimulado.

Entre outras fontes de prestígio que assinam embaixo da história do contrabando destaca-se, além do próprio Houaiss, o livro “Locuções tradicionais do Brasil”, de Luís da Câmara Cascudo, que se baseia em estudos realizados em meados do século XX por pesquisadores como Menezes de Oliva e Carlos Galvão Krebs para afirmar o seguinte:

Durante os séculos XVIII e XIX o contrabando de ouro em pó, pedras preciosas e moedas falsas utilizou no Brasil (Rio de Janeiro, Salvador, Recife, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul) o interior das imagens de madeira, de grande vulto, levadas e trazidas de Portugal com valioso recheio. Muitas fortunas tiveram esses fundamentos.

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Em seu “Tesouro da fraseologia brasileira”, Antenor Nascentes também menciona Menezes de Oliva e a tese das imagens ocas, “as quais vinham de Lisboa recheadas de dinheiro falso”, mas não fica nisso. Talvez a história não seja tão simples, afinal.

Citando o “Vocabulário pernambucano” de Pereira da Silva, Nascentes registra ainda a expressão como “nome que o povo dá a São Vilibaldo, por figurar de pé, dentro de volumoso e carcomido tronco de árvore, na procissão de cinzas”. Não havia nada de fora da lei em tal imagem, claro.

O fato de existir em Portugal uma expressão antiga, “santo de pau carunchoso”, com o mesmo sentido, complica um pouco mais a questão. Carunchoso significa, evidentemente, carcomido por carunchos, o que evoca alguém que é bonito ou virtuoso por fora, mas podre por dentro. Uma expressão que tem parentesco com esta, também antiga: “Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento”.

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Se o caruncho parece distanciar do contrabando a fonte da expressão, isso não elimina a possibilidade de que, para se referir àquele, os falantes tenham tomado, adaptado e ressignificado uma locução já existente.

*

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