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Rodrigo de Almeida

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Jornalista, cientista político e consultor de comunicação e política. Escreve sobre políticas públicas em áreas como educação, segurança pública, economia, direitos humanos e meio ambiente, entre outras
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Por que Lula fala tanto da Ucrânia?

O analista Oliver Stuenkel ajuda a entender a política externa e mostra que, goste-se ou não, a posição de Lula reflete dúvida legítima sobre o Ocidente

Por Rodrigo de Almeida
Atualizado em 26 Maio 2023, 09h58 - Publicado em 26 Maio 2023, 09h37

O título da coluna tem sido uma das perguntas mais frequentes que o analista político Oliver Stuenkel ouve em suas muitas reuniões com diplomatas, acadêmicos e investidores. “Por que o presidente brasileiro fala tanto da Ucrânia”? questionam-lhe, sabendo que ele é hoje um dos principais analistas de risco político do país e observador minucioso dos movimentos da nossa política externa. Pensando nela, Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV-SP, publicou este mês na respeitadíssima revista Foreign Policy um importante artigo em que busca explicar a política externa brasileira a observadores desatentos ou que não costumam acompanhá-la de perto.

Ao contrário do vício costumeiro de muitos que enxergam uma complexa correlação de forças internacionais sob lentes binárias e simplificadoras, Stuenkel usa 2 mil palavras para explicar a estratégia do Brasil diante do vespeiro que é o conflito entre Rússia e Ucrânia — sem condenar ou defender a posição do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É de uma objetividade bem-vinda num terreno que gravita entre a euforia desmedida e o ceticismo deslegitimador das ambições de Lula. Por isso, mesmo que tenha escrito pensando nos observadores internacionais, a análise de Stuenkel vale muito para os brasileiros.

“A lua-de-mel do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o Ocidente terminou de forma notavelmente rápida”, assim ele abre o artigo. Depois de quatro anos de comando de um extremista que, entre outras coisas, levou o Brasil ao isolamento mundial, a chegada de Lula à Presidência foi recebida com alívio em boa parte do mundo. O analista lembra que a volta do Brasil de fato aconteceu em temas como fortalecimento do multilateralismo e combate ao desmatamento. Uma série de encontros na Argentina, China, Alemanha, Reino Unido e EUA selou o retorno do país ao cenário global. Governos anunciaram contribuições financeiras para o Fundo Amazônia. A agenda de Lula passou a ser disputada por grandes líderes.

Mas a posição de Lula sobre a guerra da Rússia na Ucrânia, ressalva Stuenkel, frustrou as potências do Ocidente, e “pode limitar a margem de manobra da política externa brasileira em outras questões”. O analista enxerga uma operação de risco do presidente brasileiro — a vontade de Lula de liderar as negociações para pôr fim ao conflito e, em especial, suas frequentes e controversas declarações públicas sobre o assunto. Algo capaz de gerar uma “fricção permanente entre o Brasil e seus parceiros ocidentais”, exatamente num momento em que o país volta a ocupar um lugar à mesa das nações mais poderosas.

Se em abril Lula afirmou que a Ucrânia deveria considerar ceder e que “Zelensky não pode querer tudo”, se disse que Kiev e Moscou eram igualmente responsáveis pelo conflito, em maio o presidente recuaria, afirmando que a Ucrânia era a “grande vítima” da guerra.

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Como se viu na recente reunião de cúpula do G7 (o fórum composto pelos sete países mais desenvolvidos e industrializados do mundo, ao qual o Brasil esteve na condição de convidado especial), o desencontro entre Lula e o presidente ucraniano — repleto de explicações tortas dos diplomatas dos dois lados — aguçou o espírito de quem descredencia as ambições do brasileiro. Em seu artigo, escrito e publicado antes da reunião do G7, Stuenkel afirma que é pouco provável que a intenção de Lula de ser um mediador do conflito “prospere sem a bênção do Ocidente”, e sem que a Ucrânia reconheça o Brasil como um ator imparcial. Mas ressalta: “Os líderes ocidentais fariam bem compreender as raízes do pensamento de Brasília”. E didaticamente destaca quatro pontos:

Primeiro: a centralidade da relação Brasil-Rússia para os objetivos da política externa brasileira ao longo dos anos. O país é um membro-fundador dos BRICS — o grupo que passou a unir Brasil, Rússia, Índia, China e depois a África do Sul. Os russos têm sido amigos de baixa intensidade, sem um relacionamento crítico que moldou os laços do Brasil com os países ricos do Ocidente. As importações de fertilizantes russos também são cruciais para o agronegócio brasileiro. Mesmo Michel Temer e Bolsonaro mantiveram boas relações com o país de Vladimir Putin. Dito isto, explica Stuenkel, o Brasil vê “a preservação de laços com potências como Rússia, Índia, China e União Europeia como a melhor maneira de equilibrar sua relação altamente assimétrica com os EUA”.

Segundo: o Brasil considera hipócrita a retórica ocidental sobre o imperativo moral de condenar a Rússia. Várias violações ocidentais da lei internacional — como a invasão do Iraque pelos EUA em 2003 e a decisão da OTAN de transformar uma missão para proteger o povo de Benghazi em uma busca pela mudança de regime na Líbia em 2011, entre muitas outras — foram permitidas e até justificadas por essas mesmas potências que agora buscam isolar a Rússia por sua invasão da Ucrânia. Em outras palavras, escreve o analista, a ordem liberal baseada em regras estabelecidas nos fóruns internacionais não tem sido nem liberal nem baseada em regras. E, no fundo, as potências ocidentais nunca pareceram realmente dispostas a enxergar a Rússia, o Brasil e a Índia como membros plenos do clube.

Terceiro: o governo brasileiro acredita que a melhor maneira de se proteger e preservar sua autonomia estratégica é participar ativamente da criação de uma ordem global multipolar. Num mundo multipolar — e não bipolar ou unipolar — a Rússia seria um dos polos.

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Quarto: a vontade de Lula de contribuir com as negociações sobre a Ucrânia reflete uma crença frequentemente negligenciada ou menosprezada no Brasil de que o país tem uma contribuição única a fazer no cenário global. Segundo Stuenkel, a narrativa de Lula segundo a qual “o Brasil está de volta” não aspira a um retorno a 2018 — o ano em que Bolsonaro foi eleito — mas à diplomacia brasileira em 2012, pouco antes do inferno político e econômico em que o Brasil mergulhou, ambiente que pôs fim a quase duas décadas de relativa estabilidade interna e ativismo da política externa brasileira.

No que o analista conclui duas coisas importantes.

Primeiro, ele acha que o Brasil tem um papel relevante a desempenhar em vários outros desafios globais e regionais — do retrocesso democrático ao aumento do crime transnacional na América Latina, até a luta global contra as mudanças climáticas e o desmatamento. A energia de Lula, portanto, pode ser mais bem gasta nessas frentes.

Segundo, embora seja tentador tentar deslegitimar a busca de Lula pela paz na Ucrânia, vendo-a como quixotesca, a assertividade do Brasil revela dúvidas mais amplas do país e do sul global sobre a inclusão de uma ordem internacional supostamente liberal. Uma desconfiança mútua, portanto: de um lado, as potências do Ocidente precisam provar que de fato valorizam o Brasil como parceiro; de outro, o sul global continuará a ser crítico e não-adesista até que seja ouvido e levado a sério.

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