Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Imagem Blog

Roberto Pompeu de Toledo

Por Roberto Pompeu de Toledo Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Continua após publicidade

Armagedom

Bolsonaro e Trump exibem igual déficit de compaixão pelo sofrimento alheio

Por Roberto Pompeu de Toledo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h22 - Publicado em 5 jun 2020, 06h00

1 I can’t breathe foi alçado, de grito desesperado, à divisa da mais ampla rebelião nos Estados Unidos desde os anos 1960. “I can’t breathe”, “Não posso respirar”, implorava o negro George Floyd ao policial branco com o joelho em seu pescoço. “I have a dream”, “Eu tenho um sonho”, entoava Martin Luther King, em seu famoso discurso. O sonho era do dia em que “cada pessoa seria julgada não pela cor da pele, mas pelo caráter”. É a maior das vergonhas, para a nação americana, que o esperançoso I have a dream tenha encontrado contraponto, no século seguinte, no agônico I can’t breathe.

2 Donald Trump não inventou o racismo americano. Mas não é coincidência ter ocorrido em seu reinado a cena de um policial impassível aos apelos desesperados de um homem rendido e estendido no chão. Trump é a mais explícita encarnação do macho branco e racista a ocupar a Casa Branca. No Brasil, tenta-se imitar o que a tradição dos Estados Unidos tem de mais macabro. No sábado 30, um grupo encenou protesto diante do STF trajando túnicas pretas, a cabeça coberta por máscaras brancas e as mãos a segurar tochas acesas. A Ku Klux Klan do cerrado cavava o seu lugar (só faltava ela) na conflagrada cena brasileira.

3 Trump, o machão, deixou a Casa Branca ao cair da tarde de segunda-feira, dia 1º, e a passos decididos atravessou a Praça Lafayette, sozinho como Gary Cooper ao encontro do bandido, em direção à Igreja de Saint John. Piedoso, carregava uma Bíblia. E parou em frente à igreja, silencioso, voltado para os fotógrafos e cinegrafistas, com os objetivos de (1) desagravar o sagrado edifício, chamuscado no dia anterior pelas fogueiras dos manifestantes e (2) mostrar que não tem medo de multidões hostis, ao contrário do que se poderia supor do fato de, no bafafá da véspera, se ter refugiado no subterrâneo da residência presidencial. Detalhe: o gesto de macheza foi precedido por um festival de gás lacrimogêneo e balas de borracha disparados para dispersar os manifestantes e deixar a praça livre para o destemor presidencial.

“Bolsonaro e Trump exibem igual déficit de compaixão pelo sofrimento alheio”

4 Macheza por macheza, nosso presidente não fica atrás. Em mais um domingo de diversão ao ar livre, Jair Bolsonaro subiu num helicóptero do Exército para cobrir os 4 quilômetros entre os palácios da Alvorada e do Planalto. Ao seu lado, não bastasse o helicóptero militar, ia o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. (Até quando aceitar papéis semelhantes, ó generais?) Na Praça dos Três Poderes, inebriado do sol da manhã, do entusiasmo dos fãs e de macheza, arrebatou o cavalo de um PM e, ainda que algo canhestro, ao modo balança mas não cai, conduziu o rocinante a uma volta triunfal, como à sua hora amava fazer o duce Benito Mussolini, outro histórico macho.

Continua após a publicidade

5 Bolsonaro e Trump exibem igual déficit de compaixão pelo sofrimento alheio. Trump não passou de uma condenação pró-forma ao assassinato de Floyd; reservou sua energia para chamar os governadores de fracos, por não reprimirem as manifestações, e ameaçar pôr “milhares e milhares” de militares nas ruas. Bolsonaro, convidado a se pronunciar sobre a ultrapassagem dos 30 000 óbitos na pandemia no Brasil, respondeu: “A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”. Evoluiu do “E daí?” para “Lamento, mas…”.

6 Dos registros da história do Brasil constam três históricas reuniões ministeriais conhecidas em detalhes. A primeira, na noite de 23 de agosto de 1954, discutiu a renúncia ou licença de Getúlio Vargas e, estendendo-se pela madrugada, resultou no suicídio do presidente. A segunda, a 13 de dezembro de 1968, sacramentou a edição do Ato Institucional Nº 5. A elas veio se juntar a do dia 22 de abril de 2020. As duas primeiras resultaram em tragédias — o sacrifício de uma vida, num caso, o das liberdades, no outro. A terceira não produziu ainda consequência tão drástica, mas tem potencial para tanto. Nessa expectativa nos aguentamos.

7 De Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia em 2008, em sua última coluna no The New York Times: “Donald Trump, longe de acalmar a nação, está pondo gasolina no fogo; ele parece muito perto de tentar incitar a uma guerra civil”. De Bolsonaro, na famosa reunião ministerial: “Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! (…) Por que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não dá para segurar mais. Não é? Não dá para segurar mais”. O armagedom é o último refúgio dos machões de opereta.

Continua após a publicidade

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 10 de junho de 2020, edição nº 2690

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.