Será que a moderação venceu?
O mau humor que viabilizou Bolsonaro e Marçal vai voltar em 2026
Foi uma surra. No ranking de prefeituras, os seis primeiros partidos mais bem-sucedidos são todos de direita ou centro-direita — o Centrão se distribui por todos. Juntos, levaram quase 4 000 prefeituras. O PT, com apenas 248, ficou em nono lugar, atrás até do PSB e do PSDB (!).
Em São Paulo, onde Lula se envolveu intensamente, Guilherme Boulos passou raspando, e mesmo assim somente porque a direita rachou ao meio, sem o que teria perdido no primeiro turno, por 58% a 29%.
Há quem queira tapar o sol com a peneira, dizendo que houve progresso: afinal, em 2020, o resultado foi ainda pior (verdade, mas, naquela época, Lula não era o presidente). Outros botam a culpa em tudo e em todos — até no eleitor pobre, que não teria consciência de classe —, menos no PT. A verdade é que a esquerda se tornou incapaz de compreender o Brasil do século XXI ou de construir um discurso que convença o eleitorado.
Bolsonaro também perdeu. Seu partido, o PL, mesmo com a maior verba eleitoral (1 bilhão de reais), ficou em quinto lugar. Seu candidato no Rio (sua cidade e reduto), Alexandre Ramagem, tomou uma tunda de 60% a 31% de Eduardo Paes — este, sim, um dos maiores vencedores desta eleição, franco favorito para governador em 2026.
Mais impressionante foi ter perdido o controle do bolsonarismo. Os eleitores mais radicais de Bolsonaro aderiram ao arrivista Pablo Marçal. Perplexo e paralisado, o ex-presidente viu aliados como Marco Feliciano, Nikolas Ferreira e Ricardo Salles embarcarem na candidatura do coach. Silas Malafaia, um dos apoiadores mais ferrenhos de Bolsonaro, veio a público para chamar o apoiado de “omisso”, de “porcaria de líder” y otras cositas más.
“O Centrão pode não ser extremista, mas o seu apetite é imoderado e tende a tomar o orçamento do país”
Ricardo Nunes, frustrado com o pouco apoio recebido no primeiro turno, agora não sabe se Bolsonaro mais ajuda ou atrapalha. Como não existe vácuo em política, o posto de padrinho de Nunes, antes reservado ao ex-presidente, foi ocupado pelo governador Tarcísio de Freitas — outro vencedor.
Pablo Marçal poderia ter perdido ganhando — em poucas semanas, foi de nulidade a fenômeno e chegou empatado com Nunes e Boulos —, mas tem um encontro marcado com a Justiça. (Quem de fato perdeu ganhando foi Tabata Amaral, que mostrou preparo, coragem e respeitáveis 10%: jovem e sem problemas com a Justiça, tem uma avenida aberta pela frente.)
O maior vencedor desta eleição, no entanto, é Gilberto Kassab, chefão do PSD. Depois de conquistar 878 prefeituras, passou a semana dando entrevistas e ocupando o espaço que lhe cabe: o de principal fiador da eleição de 2026. Deixou claro o que todo mundo meio que já sabe: Bolsonaro está fora do baralho e, se Lula estiver fraco, o candidato é Tarcísio. (Se Lula estiver forte, aí tem conversa.)
PT e Bolsonaro foram derrotados e o Centrão venceu, mas é um erro supor que venceu a moderação. O mau humor que viabilizou extremistas como Bolsonaro e Marçal continua vivo, e vai voltar em 2026. E o Centrão pode não ser politicamente extremista, mas seu apetite é imoderado e tende a tornar o orçamento do país inviável. E ninguém tem projeto de país.
É cedo para o Brasil respirar aliviado.
Publicado em VEJA de 11 de outubro de 2024, edição nº 2914