Esperava-se que a derrota de Jair Bolsonaro trouxesse tranquilidade e respeito à institucionalidade. Não é isso que se tem visto.
Em ato digno de Bolsonaro, Lula nomeou para o STF o seu próprio advogado. E deixou claro que o único critério para a segunda vaga é que seja alguém de sua absoluta confiança. Os favoritos são Flávio Dino, ministro da Justiça, e Jorge Messias, da AGU.
Messias anunciou uma força-tarefa para investigar Sergio Moro e os procuradores da Lava-Jato. E conseguiu com o STJ a retomada de um acórdão do TCU que cobra 2,8 milhões de reais gastos em diárias e passagens por Deltan Dallagnol e outros (mas, se os procuradores não viajaram a trabalho, como foi que montaram a Lava-Jato?).
Dino anunciou um grupo de trabalho para analisar as cooperações internacionais da Lava-Jato. Anunciou também que a Polícia Federal vai apurar possíveis crimes dos responsáveis pela operação. Ministro é cargo de governo, polícia é órgão de Estado: a subordinação de uma ao outro é administrativa, não operacional. Quando um ministro assume a PF, falta-lhe tempo para cuidar das atribuições que de fato são suas, como uma estratégia de segurança para o país. E a sociedade fica insegura: a PF age por motivos técnicos ou por interesses pessoais do governante da hora?
“As autoridades parecem mais interessadas em punir os que puniram o crime do que no crime em si”
A Lava-Jato apanha de todo lado. O TSE fez uma reinterpretação criativa da Lei da Ficha Limpa para condenar Dallagnol por ter se exonerado do MP. A Câmara dos Deputados, em geral leniente até com criminosos, cassou Deltan em tempo recorde. Dias Toffoli, do Supremo, anulou a delação premiada da Odebrecht e o processo contra Eduardo Appio, juiz da Lava-Jato que trabalhava contra Sergio Moro e foi afastado por suspeita de ter ameaçado um desembargador.
Que Moro & Dallagnol avançaram o sinal, não se discute. Mas isso não muda o fato de que o petrolão aconteceu — e bilhões foram desviados. Nossas autoridades parecem mais interessadas em punir os que puniram o crime do que no crime em si. E avançam, elas mesmas, o sinal.
Também acusada de avançar o sinal é a investigação dos crimes do bolsonarismo. É indiscutível que os crimes ocorreram, mas, assim como o petrolão não justifica os métodos da Lava-Jato, a defesa da democracia não pode justificar eventuais violações dos direitos democráticos.
A eleição de Bolsonaro foi uma resposta (equivocada) ao PT, ao desinteresse dos políticos pelos cidadãos e à conduta voluntariosa e até irresponsável de certos ministros do STF. Todos esses elementos continuam presentes hoje. E, no caminho em que estão, as autoridades acabarão por acrescentar mais três: 1) a devolução do dinheiro roubado aos ladrões, 2) a percepção de que o combate à corrupção foi um acidente de percurso que nunca mais será permitido, e 3) a impressão de que Jair Bolsonaro, o golpista-mor, é, como ele próprio diz, uma vítima.
O bolsonarismo está longe de estar morto — e é alimentado a cada vez que um político ou juiz avança o sinal. Roga-se a nossas autoridades que respeitem a institucionalidade. Se não por espírito público, ao menos por interesse político.
Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2023, edição nº 2860