Bolsonaristas xingaram muito Madonna quando ela fez seu show. Os motivos são conhecidos: Madonna é artista, mulher, não depende de homem, é impudente e ainda promove a cultura LGBT. Tudo de ruim.
Quase uma semana depois, continuam xingando. Mas não é mais — não só, pelo menos — pelos mesmos motivos.
“Ela deveria ter feito um minuto de silêncio pela tragédia no Rio Grande do Sul”.
“Ela deveria ter doado um milhão de dólares para ajudar o Sul.”
“Ela deveria isso”. “Ela deveria aquilo.”
E, quando alguém fala do Sul, tem sempre um bolsonarista para vociferar: “mas e a Madonna?”
Madonna, evidentemente, não tem nada a ver com o sofrimento do povo gaúcho. Nem ninguém tem obrigação de mandar dinheiro para ninguém. Muito menos Madonna, que nem sequer é brasileira — aliás, vale perguntar ao bolsonarista que reclama que a cantora não mandou dinheiro pro Sul: e você, querido, mandou quanto?
Bolsonaristas continuam a falar de Madonna por três motivos:
1) É preciso ter alguma coisa sobre a qual brigar, brigar é vital para movimentos extremistas. A briga é a fonte de tudo, é o que garante a relevância e a repercussão.
2) É preciso ditar a pauta, e Madonna é um tema fácil. Como ela tem muitos fãs, sempre haverá uma enorme quantidade de gente pronta a aceitar a provocação e defender a cantora.
3) O bolsonarismo precisa falar da tragédia no Rio Grande do Sul… mas precisa evitar o assunto. Afinal, a questão que interessa aqui é o meio ambiente — e Jair Bolsonaro e os políticos que o apoiam são uma espécie de símbolo exuberante e orgulhoso da agressão ao meio ambiente. (Não que políticos de outras cores sejam inocentes: não são, mas o símbolo mesmo é o ex-presidente.)
Madonna é um espantalho, um recurso do bolsonarismo para mudar de assunto.
Até aí, morreu Neves, é o bolsonarismo sendo bolsonarismo. O que é trágico é que tanto os eleitores moderados de Bolsonaro (sim, eles existem) e os antibolsonaristas se deixem pautar com tanta facilidade e caiam na armadilha.
E, em vez de discutir, a sério, a terrível tragédia que ainda está se desenrolando, insistem em discutir um show que já foi.
(Por Ricardo Rangel em 09/05/2024)