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Ricardo Rangel

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O que quer Hamilton Mourão?

O artigo do vice-presidente tem muitos erros e, talvez, um acerto

Por Ricardo Rangel
Atualizado em 17 Maio 2020, 10h07 - Publicado em 14 Maio 2020, 19h15

Hamilton Mourão, em artigo em O Estado de S. Paulo, afirma, com razão, que, na luta contra a pandemia, nenhum país do mundo vem causando tanto mal a si mesmo quanto o Brasil. O vice-presidente identifica quatro motivos.

O primeiro seria a polarização, que é, de fato, um problema gravíssimo. Mourão prescreve como solução que a imprensa passe a dar o mesmo espaço a opiniões contrárias e favoráveis ao governo, sobre o isolamento e a retomada da economia, sobre o enfrentamento da crise. Afora o cacoete autoritário de querer determinar o que deve ou não ser publicado, Mourão se engana sobre o papel da imprensa, que não é nem resolver os problemas do país nem muito menos dar isonomia a pontos de vista opostos (se fosse, toda vez que falasse da Teoria da Evolução, teria que falar de Adão e Eva).

Não, o papel da imprensa é informar e apresentar opiniões diversas e representativas — e é apenas natural que os pontos de vista mais legítimos e/ou dominantes prevaleçam. Há poucas vozes respeitáveis (se é que há alguma) defendendo Bolsonaro ou o fim do isolamento pela simples razão de que é virtualmente impossível encontrar alguém respeitável que concorde com um ou com o outro.

Em seguida, o vice-presidente acusa governadores, parlamentares e magistrados (mas nada diz sobre o presidente ou os ministros) de não compreender nosso sistema político, e cita um liberal americano fora de contexto para defender um ponto de vista tão conservador quanto equivocado: o de que o governo central é sempre mais sensato do que os governos estaduais. Ora, no que tange a saúde, por exemplo, quem sabe o que é melhor para seus estados são, claro, os governadores.

Em terceiro lugar, defende a independência dos Poderes, e se queixa de interferência anômala no Executivo. As credenciais de Mourão (que, há poucos anos, ameaçou golpe de Estado duas vezes, e até hoje defende a ditadura militar) como defensor da independência entre os Poderes são discutíveis, mas que seja. O que é irônico é que o vice-presidente se queixa dos demais Poderes quando eles usam os freios e contrapesos da democracia justamente para impedir o presidente mais autoritário desde a ditadura de violar o Estado de Direito.

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Por fim, de novo mostrando o cacoete autoritário de não querer ouvir críticas, Mourão acusa personalidades de governos passados de prejudicar a imagem do país por acusarem o governo atual de desmatar a Amazônia. Ora, o governo não é o país, e criticar o governo pode, no máximo, prejudicar a imagem do governo. Já o governo, que pode, ele sim, prejudicar a imagem do país, já mostrou que, nesse campo, não precisa da ajuda de ninguém.

Mourão — que prega a conciliação e o diálogo, mas acusa os adversários de irresponsáveis, ressentidos, levianos — não enxerga entre os motivos para o caos a conduta conflituosa de Jair Bolsonaro, que cria uma crise por semana, defende uma política de saúde na contramão da ciência e de seu próprio governo, e tem a seu serviço uma belicosa máquina de propaganda. Aparentemente, o vice-presidente não compreende o momento por que passamos e aderiu ao negacionismo bolsonarista. Mas será que é isso mesmo?

A situação de Mourão não é fácil. Se fosse um vice-presidente “normal”, poria a lealdade ao país acima da lealdade a Bolsonaro, o abandonaria e começaria a se preparar para um eventual impeachment. Mas Mourão não é um vice-presidente “normal”: ele é militar, e militares têm uma lealdade muito particular aos colegas de farda e à corporação. E os colegas de farda, que já deveriam ter abandonado um presidente desastroso, indefensável e possivelmente criminoso, estão a cada dia mais comprometidos com ele — e estão apanhando de todos os lados por isso. E com certeza estão pressionando Mourão a vir a público apoiá-los.

No artigo, Mourão endossa as queixas dos ministros militares e reitera a visão de mundo das Forças Armadas, mas não apoia o governo abertamente, não critica o isolamento, e não menciona o nome de Bolsonaro. Para o público em geral, soa como uma mal disfarçada, e preocupante, profissão de fé no bolsonarismo. Mas para os militares deve soar como “estou com vocês, meu governo não trará surpresas, vocês terão guarida”. Tomara que a intenção de Mourão tenha sido a segunda — ou um eventual impeachment vai nos tirar da frigideira apenas para nos jogar no fogo.

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