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Ricardo Rangel

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O que Kamala tem a nos ensinar

A leveza e a esperança precisam retornar à política brasileira

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 ago 2024, 11h20 - Publicado em 30 ago 2024, 06h00

Kamala Harris está dando uma lição ao mundo. Infelizmente, nós, brasileiros, não estamos prestando atenção.

Menos de 24 horas depois da desistência de Joe Biden, ela uniu o Partido Democrata e mudou o tom da campanha da água para o vinho. Enquanto Biden dava importância a Trump, tratando-o como um bicho-papão destruidor da democracia, Kamala e seu vice, Tim Walz, tratam o ex-presidente como “weird” (esquisito, amalucado), o tipo de pessoa de quem é melhor manter distância. Alguém cuja eleição pode ter consequências sérias, mas que não é, ele mesmo, uma pessoa séria.

Americanos sempre trataram a política de um jeito leve, divertido, como uma festa, mas isso mudou com Trump, um homem carrancudo, agressivo, maledicente. A política americana virou um baixo-astral. Mas Kamala, que ri muito, um riso franco, cheio de dentes, trouxe o bom humor de volta. A palavra mais pronunciada na convenção do Partido Democrata foi “alegria”: a gratidão por ter ela devolvido a leveza à política era evidente.

“Tem algo maravilhosamente mágico no ar, não é? Uma sensação que ficou enterrada muito fundo por tempo demais. Vocês sabem do que estou falando”, afirmou Michelle Obama em seu (espetacular) discurso. Todo mundo sabia. “É a força contagiosa da esperança.”

“A candidata democrata defende deixar para trás a polarização e o cinismo e trazer de volta um projeto comum de país”

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A candidata democrata defende deixar para trás a polarização e o cinismo e trazer de volta um projeto comum de país, a busca renovada do sonho americano, o ideal liberal de liberdade e igualdade. Nos EUA, democratas se concentram na igualdade e republicanos privilegiam a liberdade, mas a liberdade que Trump defende (como o faz Bolsonaro no Brasil) não é a liberdade liberal, que acaba quando a do próximo começa. É a liberdade de o mais forte oprimir o mais fraco. Kamala, ao enfatizar a liberdade de cada um amar quem quiser, de ter ar puro para respirar, de viver sem a ameaça das armas, tomou-lhe a tradicional bandeira.

Kamala não para de subir nas pesquisas e está na frente em estados-chave. Trump não está conseguindo reagir.

No Brasil, as forças supostamente democráticas estão na contramão do caminho de Kamala. Lula esnoba o centro que garantiu sua vitória, puxa briga com o eleitorado de oposição, se recusa a defender a democracia na política externa. O PT reconheceu a vitória de Maduro, elogia a China e assinou um acordo de cooperação com o Partido Comunista do Vietnã. A campanha de Guilherme Boulos em São Paulo, em provocação desnecessária (e eleitoralmente estúpida), entoou o Hino Nacional em linguagem neutra.

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O Supremo se mete na política e continua avançando o sinal no que pretende ser a defesa da democracia. Alexandre de Moraes mandou investigar mais um (suposto) crime no qual foi a vítima e que será juiz e proibiu a entrevista de um homem que manteve preso por seis meses até hoje não se sabe por quê.

O eleitorado paulistano responde dando um caminhão de votos para um candidato ainda mais agressivo, mais mentiroso, mais vazio, mais antissistema do que Jair Bolsonaro — que, eleito, periga ser o próximo presidente da República. É bom prestar atenção em Kamala antes que seja tarde.

Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2024, edição nº 2908

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