O mau caminho de Bolsonaro
O presidente parece crer que os problemas se resolverão sozinhos
Recentemente, em meio ao maior incêndio já registrado no Pantanal, o Ministério do Meio Ambiente determinou o recolhimento, por “falta de recursos”, de todas as brigadas de incêndio florestal. Em agosto, quando o desmatamento alcançava um recorde, o MMA anunciou a interrupção, pelo mesmo motivo, das operações de combate ao desmatamento. (Em ambos os casos, o governo liberou mais recursos e as medidas foram revertidas.)
Não surpreende ninguém que o meio ambiente seja o primeiro afetado em caso de eventual falta de recursos. Afinal, tudo o que o ministro Ricardo Salles quer é um bom pretexto para cumprir a agenda bolsonarista de descumprir a obrigação constitucional de preservar o meio ambiente. E não existe pretexto melhor do que falta de dinheiro: é só ficar calado, deixar a bomba explodir e jogá-la no colo dos outros para se livrar das cobranças da imprensa. Funciona que é uma maravilha.
Naturalmente, aqueles em cujo colo a bomba, e a culpa, explodem, não acham tão maravilhoso, e é por essas e outras que Salles é odiado pelos militares e pela equipe econômica. O ódio gera muita briga, pública e privada, e ocasionalmente descamba para bate-bocas ginasianos, com expressões como “banana de pijama” e “maria fofoca”.
“Enquanto Bolsonaro deixa estar para ver como fica, vai ficando um pouco pior”
A falta de recursos pode ser bem-vinda para Salles (e Bolsonaro), mas não é deliberada: é um acidente causado pelo cobertor curto do teto de gastos, criado justamente para obrigar o governo a cortar despesas. O problema é que, até agora, o governo não cortou nada: cortar despesa sempre desagrada a alguém, e Bolsonaro, que só pensa em se reeleger, não quer desagradar a ninguém (exceto à esquerda, cujo ponto de vista não faz diferença para sua reeleição).
Se tivesse um pouco de perspectiva, o presidente tentaria desarmar a bomba fiscal encomendada para explodir no ano que vem. O caminho certo, pela despesa, é aprovar a PEC Emergencial, fazer uma reforma administrativa digna do nome, extinguir supersalários etc. etc. O caminho errado, pela receita, exige não apenas aumentar imposto, mas flexibilizar o teto de gastos.
Bolsonaro parece incapaz de escolher um caminho, certo ou errado, seus ministros brigam entre si, sua base não se entende consigo mesma (o que deve empurrar a aprovação do Orçamento para o ano que vem), e o Congresso está se preparando para aprovar uma reforma tributária sem sequer ouvir o governo. Enquanto Bolsonaro deixa como está para ver como é que fica, vai ficando pior — inflação, dólar e juros subindo, dívida mais cara e mais curta etc. —, o que deixa o Brasil e o governo (e a reeleição) em perigo.
Distraído, Bolsonaro parece seguir pelo caminho de que as coisas se resolverão sozinhas. É um caminho incerto que tende a dar errado. O que vimos no MMA podem acabar sendo cenas dos próximos capítulos, com a escassez de recursos se alastrando pelos ministérios, atividades básicas sendo interrompidas e as brigas, que já são um espanto, se avolumando e se tornando ainda mais tóxicas. O roteiro dessa novela é conhecido e não é bom.
Publicado em VEJA de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712