“Kid Preto, cinco não querem, três querem muito e os outros, zona de conforto. É isso. Infelizmente.” Foi assim que o coronel Reginaldo Vieira de Abreu, em mensagem para o general Mário Fernandes, se referiu aos generais que compunham o Alto-Comando do Exército brasileiro em dezembro de 2022. Os dois oficiais (presos esta semana com outros dois oficiais) se exasperaram porque os quatro-estrelas não estavam unidos a favor de prender ou assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes e manter Jair Bolsonaro ilegalmente na Presidência. Sem união, o golpe não seria possível.
Há quem insista que o golpismo nas Forças Armadas se restringe a indivíduos isolados, que a corporação como um todo tem compromisso com a Constituição e a democracia. O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, acredita que as investigações vão tirar a “névoa da suspeita” das Forças Armadas. Infelizmente, o que as investigações estão mostrando é o contrário. A Marinha aderiu ao golpe. Quanto ao Exército, a contabilidade dos próprios golpistas indica que, dos dezesseis generais que integravam sua cúpula, somente cinco estavam contra o golpe — os outros 70% ou estavam no golpe ou tinham uma posição dúbia a respeito.
“A suposição de que uma corporação tenha compromisso com a Constituição não é apenas ingênua, é ridícula”
A suposição de que uma corporação tenha compromisso com a Constituição, ao mesmo tempo que uma enorme parcela de seus integrantes — incluindo os que a comandam — não o têm, não é apenas ingênua, é ridícula. É suicida. A existência de uma ala radical (a “linha dura”, que sempre quer golpe) e outra moderada no Exército é uma constante na história do Brasil. Quando elas estão bem separadas, movimentos golpistas (1891, 1922, 1924, 1955, 1956, 1959, 1961, 1977, 2022) fracassam. Quando elas se unem, prevalece a visão que o coronel Reginaldo externou para seu superior: “O senhor me desculpe a expressão, mas quatro linhas (da Constituição) é o caralho” — e os golpes (1889, 1930, 1937, 1945, 1954, 1964) prosperam. As duas alas existem ainda hoje, e felizmente não se uniram em 2022. Mas, em outras circunstâncias — se o candidato a ditador não fosse tão desclassificado, se o golpe fosse mais bem concebido, se Trump fosse o presidente —, não poderiam ter se unido?
Para garantir que um novo golpe não seja tentado daqui a alguns anos, três providências são necessárias. A primeira é que os responsáveis pela conspiração, inclusive generais que até ontem pertenciam ao Alto-Comando, sejam punidos na forma da lei. Outra é proibir que militar da ativa faça política: ir para a reserva deve ser requisito não apenas para ocupar cargo político, mas também para se candidatar e para aceitar cargo no governo — com exceção da área de Defesa.
Acima de tudo, é preciso subordinar o currículo das escolas militares — onde atualmente se ensina que militares são melhores do que civis, que a democracia é um regime político desprezível, que o comunismo ainda existe, que as Forças Armadas são um Poder Moderador — ao Ministério da Educação.
Tudo indica que a primeira dessas providências ocorrerá. E que as demais, não. É bom Suas Excelências no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional acordarem.
Publicado em VEJA de 22 de novembro de 2024, edição nº 2920