“Não tem racismo no Brasil”
O racismo é brutal porque brancos como Mourão e Bolsonaro o legitimam

Hamilton Mourão declarou que “não tem racismo no Brasil”, que o que existe é uma “brutal desigualdade, fruto aí de uma série de problemas”. Bolsonaro disse que o Brasil tem “questões mais complexas do que problemas raciais”.
Não ocorre a Mourão que um dos principais itens na “série de problemas” seja justamente o racismo. O vice-presidente acha que é uma coincidência “infeliz” que virtualmente inexistam negros nas camadas mais ricas da população, que sejam raros os negros com formação universitária, que negros sejam a esmagadora maioria dos pobres, dos presidiários e dos mortos pela polícia. Bolsonaro nem se dá ao trabalho de aprofundar o tema.
A fala de Mourão — que inclui expressões como “pessoal de cor”, “gente de cor” e “pelo sofisticado” (cabelo liso); dá de barato que bandidos sejam negros; não dá maior importância a que a polícia mate principalmente negros — é um caso exemplar do que se denomina racismo estrutural: o racismo é tão entranhado que o sujeito não apenas não o reconhece em si mesmo como não enxerga o que está diante de seu nariz.
Não é apenas a extrema direita, à qual pertencem Bolsonaro e Mourão, que não acredita em racismo, que acha que o problema é a desigualdade, que se ele for resolvido, o que “parece” racismo, será resolvido junto. A esquerda tradicional — Marx não se debruçou sobre o racismo (não havia negros na Europa do século XIX) e concentrou sua reflexão na luta de classes — sempre enxergou a opressão aos negros como parte da opressão ao proletariado, e que a emancipação de um emanciparia junto os outros, de modo que muita gente que não é de direita repete o equívoco até hoje.
Se a argumentação de Mourão fosse digna de crédito, seria o caso de perguntarmos que diabos o governo Bolsonaro está fazendo para combater a desigualdade, mas não é: a equiparação do racismo à desigualdade é mera conversa fiada para escapar de um assunto desagradável — e deixar tudo exatamente como está.
Os negros já chegaram ao Brasil como escravos, e o pretexto para que fossem escravizados era justamente que eram inferiores (nem sequer teriam alma). Durante 300 anos, brancos tiveram o direito legal de comprar, vender, torturar e matar negros: só há 130 anos os negros se tornaram cidadãos (até hoje de segunda classe). O racismo precede, provoca e perpetua a pobreza: negros nascem pobres e o fato de serem negros garante que permanecerão pobres. Racismo e desigualdade se realimentam e se confundem.
Negros serem pobres, em um país hipócrita e racista como o Brasil, é praticamente um truísmo. E isso é assim porque brancos (ou supostamente brancos, porque é difícil encontrar um brasileiro sem sangue negro nas veias) como Bolsonaro e Mourão propagam a tese racista e hipócrita de que “não tem racismo no Brasil”ou “há questões mais complexas”.