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Ricardo Rangel

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A comédia pastelão de Bolsonaro

O roteiro do maior e mais amalucado escândalo de corrupção da história

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 Maio 2024, 22h50 - Publicado em 13 ago 2023, 12h38

A história das joias das arábias, que sempre pareceu uma novela mexicana (como, aliás, tudo o que se refere à administração Bolsonaro) alcança alturas inauditas. É um filme dos irmãos Marx, só que dirigido por Buñuel e passado de trás para diante. Remontar o roteiro não é simples, mas vale o esforço.

Teve um primeiro kit, chamado Ouro Branco, entregue diretamente a Bolsonaro em Riad — ainda em 2019. Acha estranho presente tão caro? E o fato de que, depois disso, auxiliares de Bolsonaro viajaram à Arábia Saudita 150 vezes? Mais estranho ainda ou agora está tudo explicado?

Foi de uma dessas viagens, no fim de 2021, que o almirante Bento (quatro estrelas, ex-integrante do Alto Comando) trouxe para Bolsonaro o kit Ouro Rose, que passou. E o assessor do almirante trouxe o kit de Michelle, que a Receita travou. Estes dois são os da Chopard.

A nação agradece a Bento, que teve a ideia genial de separar os kits (deve ter achado que dava menos na vista), dobrando a chance de a Receita pegar. Como pegou. Se não fosse esse lampejo de genialidade, teria posto tudo em sua mala e nunca teríamos ficado sabendo de nada disso.

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Pego com a boca na botija, Bento poderia ter feito o joão-sem-braço, dito “ih, não pode?” e ter entregado o Ouro Rose. E tirado o corpo fora. Mas ficou na moita. E ficou com o kit malocado (receptado?) no ministério por um ano. Periga passar à história como almirante muambeiro. Gênio.

Pega com a boca na botija, a turma ficou na dúvida se desistia e entregava pro acervo da Presidência ou se desviava pro “acervo privado do presidente”. O assunto não tinha chegado aos jornais. Desviaram. Gênios.

Em junho de 2022, perigando perder a eleição, resolveram passar nos cobres. Se é propriedade privada (mas não é, ó, gênio!), pode vender, certo? Errado. Não pode vender sem o conhecimento da União e é proibido vender pra estrangeiro.

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Mas Cid nem checou e foi então negociar o Rolex por e-mail. Quando a interlocutora perguntou se ele tinha o certificado, respondeu que “não tenho porque foi presente em visita oficial”. Confessou que estava cometendo o crime. Por escrito. No email. Trigênio.

No mesmo mês, Cid acompanhou Bolsonaro em viagem oficial aos EUA e aproveitou para vender o Rolex e um Patek Philippe — esse Patek até hoje ninguém sabe quando ou como Bolsonaro ganhou. Sim, os relógios seguiram no voo da FAB, com o presidente a bordo. Bolsonaro cometeu crime aos olhos da Justiça Americana. Gênio.

Perderam a eleição e ainda faltava muito por vender. Decidiram levar as joias para os EUA e vender lá — daí a pressa, em dezembro passado, de recuperar o kit que estava na Receita, que a gente veria em vídeo meses depois. Não conseguiram, e Bolsonaro voou para Orlando em 30 de dezembro, levando o que tinha… e cometendo crime nos EUA. De novo. Gênio, gênio.

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Uma vez em Orlando, toca a vender. Bolsonaro não era mais presidente, não tinha mais nenhuma imunidade. Já pensou? O ex-presidente do Brasil preso pelo FBI?! E deportado para o Brasil, indo direto em cana? Gênio, gênio, gênio.

Bom, os itens avulsos, manda pra papai, em Miami, ele vende por lá. Papai é o general tetra-estrelado, ex-integrante do Alto Comando, Mauro Cesar Lourena Cid, nomeado por Bolsonaro chefe do escritório local da Apex, Agência de Promoção de Exportação em… 2019. Conveniente ter alguém que entende de exportação, vai que precisa de uma papelada. Papi periga passar à história como general trambiqueiro.

Papi manda foto da escultura pra loja, na foto vai o reflexo de papi, e, com ele, a confissão. Gênio. As esculturas são de latão, ninguém quer. Mas alguma coisa papi deve ter vendido, porque tem US$ 25 mil pra repassar para Bolsonaro. O filho, prudente, recomenda que não passe pela rede bancária, entregue cash. Tão prudente que bota isso por escrito, demonstrando que sabe que está cometendo algo ilegal. Gênio.

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Já o kit da Chopard (o Ouro Rose) está completinho, o melhor é leiloar, chefe! Boa, Cidão! O leilão é público, mas ninguém vai ficar sabendo, kit desse deve ter muitos por aí. Muitos: exatamente 25. A casa de leilão, naturalmente, publica o certificado, de número 12.

Só depois de o kit ir a leilão, Mauro Cid tem a genial ideia de perguntar se podia vender item do acervo privado. Não, não podia. “Puxa, é uma pena.” Bota pena nisso. Que sorte que ninguém arrematou.

Logo depois explode na imprensa a história de que o kit da Michelle tinha ficado preso na Receita Federal. E que tinha mais um kit. E um terceiro. E o inferno se abre.

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O TCU determina que Bolsonaro devolva os presentes das arábias. Ih, Cacilda, está tudo espalhado pelo mundo. O Patek, ninguém sabe que existe, beleza, não precisa devolver. As esculturas estão com papi em Miami, tudo certo.

Mas o Ouro Rose está com o leiloeiro em Nova York, o Rolex está na Filadélfia… e cadê o resto do primeiro kit (de que foi tirado o Rolex)? “Já sumiu um kit, que foi com dona Michelle”, explica o assessor.  (Vem à mente a frase de Bolsonaro acerca de outras joias, semipreciosas, recebidas de um brasileiro, que também sumiram: “Vão aparecer, pô. Quem vai sumir com 400 reais?”)

O kit sumido reaparece. Ufa. Para recuperar o resto, Bolsonaro bota em campo o indescritível Fred Wassef, famoso por ter acoitado o miliciano Fabricio Queiroz quando se escondia da polícia. Wassef recompra as joias… mas com ágio. Gênios. (Ainda não se sabe quem ficou no preju, por sinal). Advogado criativo, Wassef, cria um novo tipo penal: o “empobrecimento ilícito.

Pelo fim de abril, Bolsonaro já devolveu tudo. Ou quase tudo. Em julho, a gente descobre que passaram na conta do Cid filho 3,2 milhões de reais sem explicação. 

Mais duas semanas e… Xandão manda a Federal arrombar a festa e joga tudo no ventilador.

Novas revelações sobre geniais fatos a qualquer momento.

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