‘Ou para a reforma, ou para o Brasil’: em 2003, Lula era vidraça
Em seu primeiro ano como presidente, petista enfrentou forte resistência para passar mudanças no regime da Previdência

Em ato na Avenida Paulista, nesta quarta-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atacou a reforma da Previdência proposta pelo governo de Michel Temer. “Vai impedir a aposentadoria de milhões”, disse, em clima de comício. Foi ovacionado. Em 2003, contudo, o petista era a vidraça. Em seu primeiro ano na presidência, Lula jogara todo seu cacife político para passar um pacote de medidas, com foco no funcionalismo público, para taxar inativos, fixar tetos para o benefício e pôr fim à paridade entre servidores da ativa e aposentados. Lula, afinal, conseguiu os votos necessário para reformar a Previdência, com apoio da oposição, mas teve de enfrentar os protestos e desaforos de sindicatos e franjas da esquerda. O pacote foi bombardeado dentro do próprio PT, por parlamentares que acabariam expulsos do sigla, para depois criar o PSOL: a então senadora Heloísa Helena (AL) e os deputados federais Babá (PA) e Luciana Genro (RS).
Na edição de 20 de agosto de 2003, VEJA registrou manifestações de funcionários públicos e opositores à reforma. Confira algumas delas:
“Nem o arbítrio da ditadura militar foi capaz de tanto.”
Desembargador José Aquino Flôres de Camargo, presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul
“Ou para a reforma, ou paramos o Brasil.”
Manifesto do sindicato dos trabalhadores das universidades públicas federais
“Ó, Lula, assim tá mal, essa reforma é do Banco Mundial.”
Coro repetido contra a reforma nas marchas feitas em Brasília
“Não tem jeito de a Previdência ser deficitária. Não há matemática que prove isso.”
Professor José Domingues, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
“A luta (greve) continua apesar das manobras do Planalto e da compra de consciências.”
Manifesto do Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatística

O caminho do meio
A mesma edição de VEJA trazia a primeira entrevista de Lula concedida após a posse. Na conversa, VEJA perguntou sobre a reação dos radicais do PT:
O senhor esperava que os radicais fossem assim tão radicais?
Lula – Eu pensava que as pessoas ligadas ao nosso projeto deveriam assumir a responsabilidade de ser governo. Mas percebi que elas escolheram outro caminho. Que o sigam. A opção delas é legítima e o povo julgará quem está certo.
Soube-se que o senhor ficou especialmente decepcionado com a senadora Heloísa Helena…
Não fiquei chateado. Quando eu comecei minha vida política, aprendi que tem determinado tipo de gente que é melhor ficar contra você do que a favor. Em 1979, o Celso Furtado me disse uma coisa que permeou minha vida até agora. Ele disse: “Lula, não se preocupe com o que os ultra-esquerdistas falam. Porque, no fundo, eles são um alerta do caminho que você não deve seguir. Mas, ao mesmo tempo, não permitem que você vá muito para a direita”. No fundo, eles te ajudam a continuar no caminho do meio.