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Vale a pena ler de novo o que saiu nas páginas de VEJA em quase cinco décadas de história

O encontro histórico de três lendas do samba: Cartola suave, Ismael solitário, Mano Décio oculto

Capa de VEJA reuniu os três bambas às vésperas do carnaval de 1975

Por Daniel Jelin Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2020, 21h50 - Publicado em 16 set 2016, 01h31

Em 1975, VEJA retratou o retiro de três “reis sem coroa” do samba: Angenor de Oliveira, o Cartola, fundador e primeiro diretor de harmonia da Mangueira, cuja obra volta ao cartaz esta semana com mostra no Rio e o musical O mundo é um moinho em São Paulo. Ismael Silva, do Estácio de Sá, autor de Antonico e Se Você Jurar; e Mano Décio da Viola, do Império Serrano, compositor de Exaltação a Tiradentes e Heróis da liberdade. Para a reportagem de capa, os três posaram em território neutro, informava a Carta ao Leitor: um estúdio no Botafogo, onde, entre goles de cerveja, os três revelaram um “entendimento impecável” na crítica a escolas de samba e aos desfiles de carnaval. “Hoje eu não frequento nem ensaio”, queixava-se Cartola. Longe das quadras, porém, as três lendas vivas do samba atravessavam uma boa fase em meados dos anos 1970. Cartola e Mano Décio estreavam em disco, e Ismael Silva gravava o seu melhor álbum, após longo hiato.

Cartola e dona Zica: casa feita pelo próprio sambista, em seis meses. Foto: Chico Nelson

Cartola e dona Zica: casa feita em seis meses pelo sambista e um ajudante. Foto: Chico Nelson

Cartola suave – A VEJA, Cartola contava que ouvia muito Nelson Cavaquinho, Lupicínio Rodrigues e Chico Buarque, mas seu preferido era Dorival Caymmi. Que gostava de ler a poesia de Castro Alves e Guerra Junqueiro. Que sempre achou que seu nome era Agenor, em vez de Angenor, até providenciar a papelada para casar com Dona Zica, já sessentão. Que construiu sua própria casa, em seis meses, com um ajudante. Que lê jornal, mas não partitura. Que violão é o único instrumento que toca (“mas acho que mal”). Que trocara a cachaça pela cerveja. Que a operação no nariz “de couve flor” foi a realização de um velho sonho (“todo dia inchava de pus e doía cada vez mais”), e agora não sentia mais nada. Que Roberto Carlos, sim, era “uma grande atração” e merecia grandes contratos. Ele mesmo, não: “Não sou um grande artista nem nada demais”. Que ganhava uns 2500 cruzeiros (cerca de R$ 1.500, em valores atualizados pelo IPC-Fipe), quase a metade da soma como contínuo do Ministério da Indústria e do Comércio. E ia “levando a vida”.

VEJA de 12 de fevereiro de 1975
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VEJA de 12 de fevereiro de 1975

Mano Décio oculto – Tendo dedicado a carreira aos sambas-enredos, Mano Décio era menos famoso fora das quadras que os demais bambas. Baiano de Santo Amaro da Purificação, foi vendedor de jornal e loteria, camelô, gráfico, engraxate – recordava-se, aliás, de ter polido os sapatos de Ismael Silva. Trabalhava havia 28 anos no cais do porto, ganhando cerca de 1500 cruzeiros (900 reais, pelo IPC-Fipe). Morava com a terceira mulher e três filhos. No tempo livre, divertia-se jogando cartas com os amigos no Grêmio Recreativo Cabelos Brancos, dedicado à cerveja e ao baralho… Autor de um número “incalculável” de sambas, e quatro enredos campeões do carnaval, dizia a VEJA que não gostava de ouvir música (“só fazer”). Mas não se furtou a comentar: “Rendo homenagens a Gilberto Alves, Jamelão e o grande defensor da música popular brasileira, Martinho da Vila. Gosto do estilo de Roberto Carlos, mas não tenho intimidade. O Caetano Veloso (seu conterrâneo), que eu vi na televisão, não entendo…”

VEJA de 12 de fevereiro de 1975
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VEJA de 12 de fevereiro de 1975

Ismael Silva solitário – “Este é o Ismael Silva, o preto da alma branca!” Foi assim que Francisco Alves apresentou o parceiro durante uma apresentação nos anos 1930. Ao lembrar o episódio, “o rosto de Ismael carrega-se de sombras”, narrava a reportagem de VEJA:

Foi esta apresentação ‘despropositada’, segundo ele, o único momento que consegue alertá-lo para a espoliação de que foi vítima, tanto quanto outros sambistas, e da qual prefere não falar, por achar que nunca existiu espoliação alguma. Em 1935, embora também não goste de falar disso, rompeu-se enfim o estranho contrato Ismael-Chico Alves (o primeiro era obrigado a ceder músicas ao segundo, com exclusividade, mas nada impedia Chico de cantar outros autores) e o sambista se perdeu “num grande desgosto”, como confessou uma vez. Seguiu-se uma grande hibernação, por que “o boêmio de sangue procura qualquer motivo para se entregar à boemia”. De copo em copo e de samba em samba, a ressurreição de Ismael só se deu vinte anos depois, quando recomeçou a fazer shows e gravou um LP.

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VEJA foi encontrar Ismael no Bar Arcadas, na Lapa, a 50 metros de sua residência de solteirão:

Aos 69 anos (fará 70 em setembro), magro, aprumado, usando às vezes o seu clássico e impecável terno de linho S-129, ele tem a cara da sua idade, onde, no entanto, um sorriso súbito e estranho opera um passe de mágica: quando ri, o velho Ismael fica vinte, trinta anos mais moço, e por alguns instantes parece de novo o sambista jovem e arrogante, únicos sinais que perduram numa velhice solitária e ressentida. E, apesar dos pesares, feliz. “Não consigo ficar triste. É esta a minha natureza”.

Ismael Silva morreu três anos depois, em 1978. Cartola, em 1980. Mano Décio, em 1984.

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