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Margaret Thatcher ensina a receita do ‘capitalismo popular’

"Governos não criam riqueza, quem faz isso são as indústrias e os serviços", dizia a Dama de Ferro a VEJA, em entrevista publicada em 1994

Por Da Redação Atualizado em 4 jun 2024, 20h02 - Publicado em 1 nov 2016, 07h26
'A receita da leoa': entrevista a VEJA de 9 de março de 1994. Clique para ler a íntegra
‘A receita da leoa’: entrevista a VEJA de 9 de março de 1994. Clique aqui para ler a íntegra

Em 1994, VEJA entrevistou a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher (1925-2013), a Dama de Ferro, que o presidente Michel Temer, nesta segunda-feira, invocou como exemplo de esforço pelo controle dos gastos públicos. Thatcher tinha acabado de lançar suas memórias em livro, Meus Anos em Downing Street, e estava prestes a fazer uma visita ao Brasil. Na conversa com a reportagem de VEJA, quatro anos após deixar o governo, “a líder que pilotou a revolução liberal na Inglaterra dá o roteiro da privatização e mostra por que governo não produz riqueza”. Confira abaixo trechos da entrevista (ou clique para aqui para ler a íntegra).

Depois de seu reinado neoliberal de doze anos, a Inglaterra passou a fazer parte do grupo dos países mais pobres da Europa, na frente de um pelotão que inclui Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda. O que deu errado? Antes de mais nada, tive de me livrar do socialismo – e consegui. Não se esqueça de que em 1979, quando tomei posse, o país estava abalado por greves, uma atrás da outra, comandadas por sindicatos que usavam todo o seu poder. O governo trabalhista que me precedeu continuara a estatizar, os impostos eram altos e a economia estava cada vez mais sob controle do governo. Tive de me livrar de tudo isso, e no meio dos anos 80, depois de uma reestruturação industrial, a Inglaterra crescia mais rapidamente do que qualquer outro país europeu. Hoje há uma fila de indústrias estrangeiras querendo investir na Inglaterra, porque aqui podem produzir mercadorias com preços mais razoáveis do que em qualquer outra parte.

Quando a senhora começou a governar, havia 1 milhão de desempregados. Quando saiu, era mais que o dobro. Não é um custo muito alto para as reformas liberais? De fato, mas os sindicatos faziam uma política restritiva, garantindo uma quantidade colossal de empregos inúteis, o que equivalia a um desemprego virtual. Uma das primeiras coisas que as empresas privatizadas fazem é reduzir o número de empregados ao estritamente necessário para realizar o trabalho direito. É impossível manter na indústria práticas restritivas, obrigando-a a ter mais empregados do que precisa. A segunda causa do desemprego é que, graças à alta taxa de natalidade dos anos 60, quando iniciei meu governo havia uma massa de jovens procurando emprego muito maior do que o número de pessoas que se aposentavam. Agora, felizmente, essa tendência se reverteu. Mas, se o assunto é desemprego, olhe para a França, que tem um índice maior que o nosso, ou para a Alemanha, onde o desemprego cresce apesar da unificação com a ex-Alemanha Oriental.

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Às vezes tem-se a impressão de que os objetivos liberais terminam no equilíbrio dos gastos públicos, no controle da inflação, na estabilidade da moeda e nas privatizações. Onde ficam o bem-estar da população, as necessidades básicas dos menos favorecidos e a solidariedade social? Não posso dar uma resposta breve. Acho que o senhor parte de suposições totalmente erradas. Os objetivos principais da sociedade na qual acredito são a liberdade, a justiça e a livre iniciativa. Nada disso pode ser obtido fora do império da lei e sem um Judiciário independente. A prosperidade de uma nação provém da livre iniciativa de cada um e de uma situação em que a lei é igual para todos. Governos não criam riqueza, quem faz isso são as indústrias e os serviços. É o povo, com sua própria bagagem e sua própria capacidade de iniciativa, que cria empresas.

Então, qual é a função do governo? O governo pode, através de uma política fiscal sensata, procurar os meios para administrar a parte que lhe compete. É dever das autoridades manter a saúde das finanças públicas. Se há inflação, é culpa do governo, que não controlou direito a emissão de moeda. Se há déficit nas contas públicas, é culpa do governo, que não soube equilibrar sua receita fiscal e seus gastos. É sempre possível dizer: o.k., podemos gastar à vontade e depois alguém vai financiar o buraco. Mas o que acontece é que mais gastos do governo significam sempre mais impostos para cobri-los. E, quando a carga fiscal é excessiva, ninguém tem mais incentivo para criar empregos e riquezas.

Impostos baixos não são um mito típico do liberalismo econômico? Uma política fiscal sensata é obrigação do governo. Quando assumi, a alíquota máxima para o imposto de renda chegava a 83%! Para os ganhos de capital, era 98%! Onde ficava nossa capacidade empresarial? Os empresários que tinham iniciativa preferiam investir no exterior. A excessiva regulamentação impedia que novas empresas tivessem sucesso antes mesmo de começar a operar. Se as empresas trabalham bem e têm bons resultados, o governo não tem déficit orçamentário. Nos meus últimos quatro anos, o governo trabalhou com superávit, a ponto de podermos abater parte da dívida pública. Não chegamos a eliminar o desequilíbrio na balança comercial, mas não havia dificuldade em financiá-lo, em vista da confiança na nossa moeda. E a iniciativa individual foi estimulada, com a alíquota máxima de imposto caindo para 40%. A alíquota média é muito inferior.

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Como o excesso de regulamentação afeta a economia? Se você tem um governo competente, não há regulamentação atrapalhando a vida das pessoas. O objetivo do governo não deve ser só manter as coisas públicas funcionando. É preciso estimular a capacidade empresarial da população, fazer nascer novos negócios, o agricultor tem de confiar no valor de sua produção, a moeda deve ser vista com confiança. Tudo isso começa com um bom sistema educacional. A criança, rica ou pobre, precisa de escolas adequadas para desenvolver seus talentos e habilidades. A partir daí se pode pensar em outra tarefa do governo: a criação de uma rede de proteção e benefícios para aquela parcela da população que, involuntariamente, não consegue manter-se no mercado de trabalho, por velhice ou doença.

Como a senhora descreve sua ideia de um “capitalismo popular”? É o meu sonho de fazer de cada cidadão um capitalista, o capitalismo das pessoas comuns. Não se esqueça de que na Inglaterra temos uma tradição de cidadania. A instituição do Parlamento começou no século XIII. O voto de poucos passou a ser o voto de todos. Vivemos sob o império da lei e sempre tivemos juízes capazes de dizer ao monarca: “Não há nenhum homem acima do rei, mas este está abaixo de Deus e da lei”. Essa é nossa herança e nosso caráter. Mas, no início de meu governo, os ingleses não conseguiam ter uma poupança, não conseguiam acumular capital. Meu objetivo era fazer com que as pessoas, independentemente de sua origem, conseguissem adquirir ao menos a casa própria, acumulando algum capital para deixar aos filhos. Como nessa época 30% das casas e dos apartamentos pertenciam a órgãos públicos, fizemos um plano pelo qual os locatários tinham preferência e outras facilidades para comprar o imóvel onde moravam. Hoje, 68% dos ingleses são proprietários da casa onde moram, e milhões têm ações de empresas privatizadas. Isso é capitalismo popular.

O governo da senhora ficou famoso pelas privatizações. Como foi a primeira privatização? Foi no setor siderúrgico. O aço produzido pela estatal custava ao povo inglês 1,5 bilhão de dólares por ano em subsídios. Pouco depois da privatização, o aço já rendia ao Tesouro – ou seja, ao povo – 330 milhões de dólares anuais. Outro ponto positivo: o dinheiro fruto da venda das estatais vai direto para o Tesouro, o que, mais uma vez, quer dizer para o povo. Mais dinheiro no caixa do Tesouro significa menos necessidade de impostos e até menos dívida pública. Ou seja, não se está dando nada de graça. As pessoas estão comprando o que o governo vende, o Tesouro deixa de ter prejuízo e passa a ter renda. É um ótimo negócio para quem paga imposto.

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