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FHC, sobre a crise de 1999: ‘Tudo poderia ir para o espaço’

Ao final do ano, o então presidente dizia a VEJA considerá-lo o mais difícil de seu governo. Período é coberto pelo terceiro volume de suas memórias

Por Da redação
Atualizado em 4 jun 2024, 18h18 - Publicado em 25 mar 2017, 07h55
VEJA de 22 de dezembro de 1999
VEJA de 22 de dezembro de 1999. Clique para ler a íntegra da entrevista no Acervo Digital de VEJA (Reprodução)

O terceiro volume de memórias do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso cobre os anos de 1999 e 2000, os dois primeiros de seu segundo mandado. Do novo livro (Companhia das Letras, 840 páginas, 79,90 reais), colhe-se a sensação de “uma Presidência sob permanente cerco de forças adversas”, mostra a edição de VEJA que chega às bancas neste sábado. “Quando não é um desastre econômico, é a denúncia de um escândalo, ou suposto escândalo; quando não é a penosa necessidade de dispensar um querido colaborador, é o MST, no auge de sua atuação provocadora”, observa a reportagem sobre a continuação dos Diários da Presidência.

Em dezembro de 1999, FHC concedeu entrevista para as páginas amarelas VEJA, em que comentava os dissabores daquele ano, o mais difícil de sua presidência, segundo dizia: “No começo deste ano, eu tive a nítida sensação de que tudo o que tínhamos construído poderia ir para o espaço”. 1999 começara sob o signo de uma severa crise econômica, com a disparada do dólar e a queda abrupta da Bolsa de São Paulo. Vieram em seguida a CPI dos Bancos, a ameaça de moratória dos governadores e disputas diversas no Congresso.

“Mais do que o câmbio, o que aconteceu foi a perda do controle da economia”, admitiu o tucano na conversa. “Havia a ameaça da volta da inflação e de muitos outros problemas. O curioso é que, em abril, eu já tinha a sensação de que os problemas tinham sido superados e foi nesse exato momento que a sociedade verdadeiramente percebeu que o país estava em crise. Se a gente olhar as críticas ao governo e as pesquisas de perda de popularidade, elas acontecem a partir de março, quando já tínhamos ultrapassado o olho do furacão”.

Já no início do segundo mandato, os tucanos começavam a se movimentar para disputar a sucessão de FHC. Na entrevista a VEJA, em dezembro de 1999, instado a dizer se já tinha um candidato de sua predileção, o então presidente afirmou: “Um não digo, mas dois ou três, sim” – sem declinar nomes. Meses depois, em gravação registrada nos Diários, desabafava: “Ou nós organizamos o miolo do PSDB ou não há o que fazer, porque um desconfia do outro, o Serra do Tasso, o Tasso do Serra, todos do Covas, o Covas de todos, porque são todos candidatos”.

Na entrevista a VEJA, FHC também procurou afastar a imagem de um governo submisso ao então senador Antonio Carlos Magalhães: “O Antônio Carlos não se mete com as políticas do governo. Essa discussão sobre quem manda no governo só acontece na imprensa. Ele gosta dessa discussão. Faz de conta que manda. Poder real no governo ele não tem”. Nos Diários, o tucano registrou: “Hoje vem jantar aqui o Antonio Carlos. Ele já colocou tudo no jornal, para criar o clima e depois dar uma declaração à imprensa dizendo que está me orientando, dando ordens ao governo etc.”

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Confira abaixo trechos da entrevista de 1999 e clique aqui para ler a reportagem de VEJA desta semana:

VEJA – O senhor é acusado de ser muito lento ao tomar suas decisões.

FHC – Eu não tomo decisões de repente. Exatamente porque sei qual é o custo dessas decisões. Vivemos num país relativamente mal organizado, contraditório, segmentado. O Brasil não é homogêneo. Se o governo não imprimir certa tranqüilidade ao país, pode provocar tumulto o tempo todo. Não se deve governar um país na base do supetão. O pior é que esse tem sido um padrão cada vez mais adotado na política. A política cada vez mais é mídia, e a mídia requer o inusitado. Se o político vier com uma surpresa, se atacar alguém, por exemplo, terá direito a um espaço nobre na mídia e, portanto, na política. É difícil governar com estabilidade num mundo que requer instabilidade, excitação e nervosismo. Se o governante se transformar num político comum, ele vai para o abismo. Um sujeito que não tem a responsabilidade que eu tenho no governo pode dizer qualquer coisa e aparecer no jornal num dia, no dia seguinte, mas esse procedimento não tem substância.

O senhor está descrevendo o estilo adotado por Antonio Carlos Magalhães? Ele é talvez quem mais saiba fazer isso, mas não é só ele. O Serjão (o ex-ministro das Comunicações Sergio Motta) também fazia. O Ciro faz. O Lula faz menos. O Brizola também faz. Repito: não se pode governar um país com gestos histriônicos. Eu mudei quase todos os ministros sem muita crise. Nas mesmas posições só ficaram o Pedro Malan, na Fazenda, e o Lampreia (Luiz Felipe), nas Relações Exteriores. Não estou pregando aqui o imobilismo.

Seu governo, muitas vezes, é acusado de imobilista. É porque muitas vezes confundem governar com histrionismo, que de fato não é meu estilo. Agora, topo qualquer parada, inclusive as impopulares.

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O senhor ficou ressentido com políticos que o apoiaram na fase de euforia do Plano Real e depois o atacaram no momento difícil, atribuindo-lhe a responsabilidade até mesmo pelos efeitos das crises da Ásia e da Rússia no Brasil? Ressentido não fiquei. Senti uma certa angústia, sim. Eu entendo essa posição deles, mas não justifico. Essa é a debilidade do nosso sistema político. Nós governamos num sistema que é precário. Nós temos um sistema em que o Congresso é muito forte, mas os partidos, não. Isso é uma coisa complicada. Fora do Congresso, não existe partido. O que temos são personalidades fortes, que são capazes de se separar dos partidos e ter os próprios objetivos políticos. Assim, num ou noutro momento de dificuldade surge esse comportamento no qual desaparece a sustentação verbal ao governo. Eu não posso me queixar do voto do Congresso. Votaram sempre a favor das iniciativas do governo. A perda de popularidade não significou a perda do voto no Congresso. Significou outra coisa. Em função de nosso sistema político, representou uma retórica muito agressiva. Só eu sei quanto custa manter esse equilíbrio que tenho mantido. Custa muita paciência, muita conversa, custa ter de engolir sapo.

Por que, na sua visão, o senhor tem apoio no Congresso, mesmo sofrendo críticas de alguns nomes de peso da Câmara e do Senado? Só se governa com apoio quando se é capaz de apresentar um projeto que tenha sustentação. Eu acho que, apesar de ter havido alguns estremecimentos, represento o projeto hegemônico. Qual é o outro caminho? O que vai fazer com o país? Tem uma política alternativa para o país? Qual? Quando alguém quer esboçar uma política alternativa, como faz o Ciro Gomes, ele a esboça voltando ao passado. Passa a argumentar que o problema é a dívida interna e inventa uma teoria que não se sustenta. Ou então como fazem o Leonel Brizola e o Itamar Franco, que querem voltar ao nacional-estatismo. Só que o mundo não permite que possamos voltar ao nacional-estatismo. Eu sempre disse que a oposição não apresenta alternativas. Continua sem apresentar as alternativas.

E o PT? É a nossa oposição mais consistente. Mas está ainda com as vísceras sendo deglutidas por eles próprios, já que não sabem o rumo que devem tomar. Se são socialistas ou se não são socialistas, se é terceria via ou não é terceira via, se o partido tem base operária ou não tem base operária, e assim por diante.

Como o senhor vê o Lula nessa questão de ter ou não um rumo preciso? O que ele é? Ele é socialista, nacional-estatista, o que ele é? Ele não resolveu essa questão.

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(…)

Se a situação econômica melhorar, o senhor poderá influir bastante na escolha de seu sucessor. Existe desde já algum nome que prefira aos demais? Eu não tenho o direito de lavar as mãos na sucessão. Não foi para dar um rumo que fiquei mais quatro anos? Eu terei, claro, um candidato.

A pergunta é se o senhor já tem, secretamente, um nome de sua predileção. Um não digo, mas dois ou três, sim.

Como analisa o século que vai acabar dentro de alguns dias? Acho que foi um século de ouro, não no sentido de opulência, mas de grandes transformações, de grandes avanços tecnológicos e científicos. O avanço que houve neste século é incomparável em relação aos anteriores. O que ocorreu foi um verdadeiro renascimento em termos de revolução tecnológica. Se o século XVIII foi das luzes, da razão, este foi o da tecnologia, da razão aplicada. Foi violento também, mas evitou-se a violência pior, que seria o holocausto atômico, como notou (o historiador inglês Eric) Hobsbawm. Portanto, acho que foi um século marcante, de muitas transformações, e todas para melhor. Acredito que, com essa base tecnológica, dá para acreditar que o próximo século será muito promissor.

E a miséria? Será possível enfrentar o problema da pobreza. Qual é a grande crítica a este século? É a de que, apesar de ter enriquecido muitos países, deixou muita pobreza. Mas é preciso notar que o século XX criou as bases materiais para resolver esse problema. Outra coisa importante deste século é que ele nasceu sob a égide do imperialismo. Até a primeira metade vivemos o imperialismo. Mas o imperialismo acabou. E por que acabou? Porque o Estado deixou de ser a alavanca da economia. A economia venceu o Estado. A esquerda atrasada não percebeu que o imperialismo acabou. Os Estados Unidos não precisam mais da força do Estado para invadir. Os Estados Unidos invadem pela cabeça, via meios de comunicação, tecnologia. Globalização é isso. Esse negócio do global é muito mal entendido. O global é entendido como se fosse o imperialismo.

Mas não é só a esquerda que entende assim. Não é só a esquerda mesmo. A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), por exemplo, não é esquerda. Ela é só atrasada.

 

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